A acessibilidade foi discutida e vivenciada em seminário realizado pelo CAU/RJ, em Cabo Frio, nos dias 4 e 5 de fevereiro. Um dos pontos altos do evento, que reuniu mais de 60 pessoas, foi o workshop de vivência das barreiras de acessibilidade. A programação incluiu também palestras sobre acessibilidade em Cabo Frio e na Região dos Lagos, em espaços públicos, além de normas e leis sobre o tema.
O presidente do CAU/RJ, Jeferson Salazar, lembrou que o conceito de acessibilidade não se limita apenas à mobilidade reduzida. “Quando não há acessibilidade, colocamos um quarto da população à margem dos processos produtivos, culturais e de cidadania. Como profissionais que planejam o espaço urbano temos obrigação de discutir este tema”. Para ele, tornar as cidades mais acessíveis depende de vontade política, mas também é necessário que a sociedade seja um instrumento de pressão e controle.
“Apesar da evolução das normas de acessibilidade, ainda é muito difícil ter cidades plenamente acessíveis. Falar de acessibilidade é falar da qualidade das calçadas, do acesso às praias e aos programas culturais da cidade pelas pessoas com deficiência. Uma cidade que não tem espaços acessíveis é uma cidade deficiente”, afirmou a coordenadora da Comissão de Acessibilidade do CAU/RJ, Regina Cohen.
Os participantes do Seminário de Acessibilidade puderam experimentar as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência em workshop. Divididos em grupos, eles circularam pelas ruas Francisco Mendes e Meira Júnior, além da Av. Nilo Peçanha e Hilton Massa, usando venda e bengala ou cadeiras de rodas. A atividade foi acompanhada por guardas municipais e agentes de mobilidade.
Entre as dificuldades relatadas pelos que simularam a experiência de cegueira total estavam: dificuldades de localização, obstáculos aéreos, calçadas obstruídas com mesas e cadeiras de bares ou outros objetos, falta de sinalização podotátil ou sinalização inadequada, como instalação do piso tátil em calçadas com pedra portuguesa que impedem a identificação, até cocô de cachorro. Já os que andaram com as cadeiras de roda reclamaram da inclinação das calçadas, do acesso a lojas e do próprio manuseio do equipamento. Em relação aos aspectos psicológicos, em ambos os casos, os participantes relataram sentir medo, isolamento e sensação de incapacidade.
A oficial de justiça Maria Cristina Mendes é surda oralizada e participou do workshop simulando a perda da visão. Ela destacou o desgaste físico e mental, além da diferente percepção de tempo e espaço. “Percebi que os entraves acabam vindo de fora, da cadeira que não está no lugar, da calçada com problemas, e não da pessoa com deficiência”, afirmou. “É estranho que o deficiente tenha que se orientar pelo obstáculo, quando deveria ser o contrário”, contou o estudante de arquitetura e urbanismo André Luiz Paiva, que também participou do workshop.
Confira outros depoimentos:
Acessibilidade na Região dos Lagos
Sérgio Nogueira, conselheiro do CAU/RJ e superintendente dos espaços culturais de Cabo Frio falou sobre o trabalho que está sendo realizado na cidade para estruturar os equipamentos culturais e treinar os funcionários da cultura para receber as pessoas com deficiência. Entre os principais desafios estão o Forte de São Mateus e Casa Charitas.
Anne Apicello, arquiteta e urbanista, superintendente de projetos da Secretaria de Desenvolvimento da prefeitura de Cabo Frio, falou dos projetos de acessibilidade desenvolvidos no município desde 2005, o que incluiu a urbanização das vias, construção de praças e escolas acessíveis e a adaptação de equipamentos culturais, como o Museu do Surf. “Não podemos projetar e construir de forma automática. É o olhar para o outro que conta. Nem tudo está na norma”, disse.
Engenheira da Secretaria de Mobilidade Urbana, Isabela Martins informou que o Plano de Mobilidade de Cabo Frio está em desenvolvimento, com previsão de conclusão até abril. O plano busca, segundo ela, organizar a circulação e integrar os modos de transporte, de forma sustentável. Outro projeto citado foi o fechamento da avenida próxima à Praia do Forte aos domingos, para estimular a ocupação dos espaços públicos.
Legislação e calçadas
As principais normas e leis que tratam de acessibilidade e inclusão foram apresentadas pelo advogado Caio de Souza, membro da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB/RJ. Entre elas estão a Lei 10.048/00, que trata do atendimento prioritário, e a Lei 10.098/00, que dispõe sobre a acessibilidade, além dos decretos 9.451/18 e 9.296/18, que abordam a acessibilidade em hotéis. “Desde 1989, com a Lei 7.853, é crime discriminar uma pessoa com deficiência, negando trabalho a ela, por exemplo. No entanto, não vemos ninguém ser preso por causa disso. Todos os prazos aos quais esta lei se refere estão vencidos”, avaliou.
Caio de Souza explicou que a ideia da acessibilidade é proporcionar independência, facilidade e segurança às pessoas com deficiência, o que inclui os aspectos arquitetônicos e urbanísticos, de comunicação e informação. “A Lei Brasileira de Inclusão (13.146/15) inova ao considerar a necessidade de acessibilidade na comercialização virtual. Por outro lado, quem tem deficiência visual não consegue fazer sua declaração de imposto de renda, já que o software da Receita Federal é incompatível com os programas ledores”, pontuou.
A discussão sobre as calçadas ficou sob a responsabilidade dos arquitetos e urbanistas Gustavo Guimarães e Vicente de Paula Rodrigues. Guimarães lembrou que o código de ética dos arquitetos e urbanistas prevê que os profissionais se empenhem para assegurar a acessibilidade dos ambientes construídos. Ele também mostrou diversas fotos que ilustram problemas nas calçadas, além de bons exemplos, que respeitam as faixas livre, de serviço e de acesso. Já o conselheiro do CAU/RJ, Vicente de Paula, falou sobre o Programa de Calçadas em Itaboraí.