A industrialização, esboçada no século XVIII e consolidada a partir do século seguinte, é uma das reconhecidas causas das transformações na arquitetura praticada no ocidente. Autores como Zevi e Giedeon não hesitam em apontar seus efeitos no surgimento de uma nova estética. O debate acerca da arquitetura e do urbanismo, travado nos derradeiros anos do século XIX até a trágica marca dos anos de 1914-18, destaca a presença dos engenheiros, sendo a conhecida realização de Gustave Eiffel, com sua torre no coração de Paris, o mais significativo marco para a nova linguagem.
Consagrada nos viadutos e nos prédios industriais, tal linguagem não logrou o mesmo sucesso nas edificações civis dos grandes centros urbanos e, menos por razões econômicas e mais por razões culturais, firmou-se na arquitetura a plástica propiciada pelo concreto armado. Ainda que Le Corbusier, ao clamar por novos tempos, afirme que os verdadeiros arquitetos eram os engenheiros, a obra modernista, passando pelos países mais desenvolvidos da Europa, é feita por arquitetos que não buscam sua expressão na estrutura metálica. Ressalvada a encantadora presença do ferro no movimento art-nouveau, a estética do cubismo e o excessivo purismo dos seguidores de Adolph Loos impõem sua linguagem no início do século XX, a qual o concreto armado respondeu com total adequação, permitindo que o aço sobrevivesse sob o invólucro dos trabalhos minimalistas, puristas e cubistas. A ousadia que a estrutura metálica, por certo, possibilitava, é realizada pelo concreto armado.
A arquitetura americana com seus arranha-céus, de Sullivan a Philip Johnson, não traduzia uma linguagem reveladora das estruturas metálicas, sem dúvida, facilitadoras da verticalização; ocultas, porém, pelo envoltório protetor antifogo na sobriedade do art deco. Tornou-se o concreto armado a linguagem dos novos tempos, ainda que a construção, na Europa e nos EUA, continuasse a fazer uso das peças laminadas. Mantinha-se a linguagem do aço em tipologias específicas, nas obras industriais e nos arrojados viadutos.
O mesmo não ocorreria entre nós, em que o concreto dominava, em geral, todas as etapas da construção, prevalecendo até mesmo em obras industriais.
No Brasil, o embate entre o ecletismo dominante no início do século XX e o modernismo resulta na consagração de nomes que alcançaram prestígio internacional com destaque para Oscar Niemeyer. As ousadas formas produzidas pelo concreto, a participação de uma elite da engenharia liderada por profissionais como Emilío Baumgart e Joaquim Cardoso, afastam o uso das estruturas metálicas em nosso meio, mesmo com o advento da siderurgia patrocinada pelo Estado Novo nos anos de 1930, reconhecida como uma concessão dos EUA e quase limitada, em sua produção, às chapas de aço. A demanda não exerceria pressão no sentido de criar uma indústria voltada para aquele material, vez que tudo favorecia o uso do concreto armado. Assim, recorrendo a esta linguagem, a arquitetura brasileira atingiu um apogeu que cruzou cerca de três décadas, culminando com a construção de Brasília, mesclando-se ao International style, aos movimentos brutalistas até o inquietante pós-modernismo. A arquitetura utilizou tecnologia que floresceu e triunfou com os arrojados processos de protensão, permitindo grandes vãos e atrevidos balanços. O aço, porém, sempre um coadjuvante, jamais protagonista.
Buscando-se uma explicação ou justificativa é possível identificar na ousadia de muitas obras, quer nas caprichosas formas criadas por Niemeyer, quer nas rigorosas massas de Reydi, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro ou de Helio Ferreira Pinto, no projeto-emblema do Banco Central, experimentos escultóricos propiciados pelo concreto. Marca cultural, se lembrarmos as origens barrocas exaltadas por Lúcio Costa.
As estruturas metálicas, quase exclusivamente reservadas às indústrias – seguindo a tradição – ofertavam os perfis padronizados que venceriam grandes vãos, aumentariam a velocidade de montagem do edifício e trariam economia à obra. Porém, sempre ocultas na forma final das edificações.
Exemplos significativos, ambos no Rio de Janeiro: a sede do IPEG (hoje IUPERJ), de Afonso Eduardo Reidy, na Avenida Presidente Vargas (1957), e o Edifício Regina Feigell, do escritório Henrique Mindlin (1911–1971), na Avenida Rio Branco, empreendimento revolucionário dos anos de 1960. O primeiro guarda a elegância e o rigor das obras do grande arquiteto. O segundo exibe a fisionomia das obras filiadas ao international style. A tecnologia utilizada, mesclando os processos tradicionais do concreto com perfis metálicos, garantiu-lhes a rapidez da execução e, segundo se registra, expressiva economia no custo final das obras, sem influência nítida na aparência final da obra. Ressalvada a redução das dimensões dos pilares, as estruturas em aço não marcam o resultado plástico.
Após Brasília, onde o concreto armado ditara a exuberante plástica, desde edificações nobres até os comportados edifícios de moradia e quando a arquitetura brasileira já não mais ocupava as revistas estrangeiras, a produção internacional caminhava para a aventura pós moderna ou tardo moderna – na classificação consagrada por Charles Jenks – e nos trazia as ousadas obras, ainda em concreto, de Felix Candela e Piero Luigi Nervi.
Contudo, as envidraçadas courtain-wall, o paroxismo desconstrutivista e a verticalização obsessiva, na esteira do desenvolvimento econômico, passaram a exigir mais velocidade na construção e os métodos de pré-fabricação do concreto não teriam como competir com a eficiência e a precisão das peças metálicas, a exigir mais e mais mão-de-obra qualificada. Embora os processos para o uso do concreto armado aperfeiçoaram-se a partir dos anos de 1970, a aura de artesanato persistia em sua aplicação, dando visibilidade maior às vantagens no uso do aço.
Técnicos e especialistas admitem que a hesitação em seu uso entre nós deve-se à ainda limitada produção industrial, fator de retardo para a experimentação. As vantagens, inúmeras, se revelam no custo final da obra, tendo em vista a rapidez e a precisão da montagem, a redução das cargas com reflexos favoráveis para as fundações. Vencidos os obstáculos da produção, restará o desafio de consolidar uma linguagem plástica que concilie a tradição de moralidade haurida no modernismo: a harmonização dos meios construtivos e dos fins estéticos, conquistando uma linguagem compatível com os recursos permitidos pelo aço, conferindo-lhe, independente da tipologia abordada, uma fisionomia peculiar. Cabe indagar, como já exposto, se será um passo de natureza cultural.
O extraordinário desenvolvimento da economia brasileira e a expansão dos grandes centros regionais, nos últimos 20 anos, não mais dependem dos movimentos deflagrados a partir das regiões sul e sudeste, como ocorreu no advento do modernismo. Por outro lado, a internacionalização dos “estilos” – se assim pode ser interpretado o fenômeno – dificilmente trará para o Brasil um novo surto criativo como o verificado nos anos de 1930 a 1950, uma vez que é outro o contexto mundial. Hoje, vivemos um delicado momento em que a arquitetura e a construção não saem, em seu mais denso volume, das pranchetas verde-amarelas. A presença de grandes empresas estrangeiras, impondo um know-how arrasador, parece sufocar o difícil mercado da arquitetura e, ao mesmo tempo, traz a linguagem que lhes é peculiar face o nível superior de industrialização. Um impasse a resolver, cujos embaraços talvez estejam na formação profissional, além das pressões econômicas.
Para a reflexão dos projetistas e construtores: segundo dados de 2010, a produção de aço anual, com destaque para a construção civil, atingiu 7,6 milhões de toneladas contra um consumo de 7,1 milhões de toneladas. A produção de aço bruto em 2011 superou a do ano anterior, situando o Brasil como o 9º maior produtor mundial (http/www.gerdau.com.br).
As grandes transformações sociais e políticas, a internacionalização da economia, a expansão dos meios de comunicação, o avanço tecnológico e a quase universalização das pontes culturais criadas entre ocidente e oriente no final do século XX e no alvorecer do século XXI, universalizaram as possibilidades tecnológicas. A presença de grandes nomes da arquitetura, da engenharia e do design, a nível mundial, trazem respostas às demandas dos populosos centros urbanos. Tais demandas provocam exageros na verticalização de edificações, oportunas às pressões do setor imobiliário, mas criam, em paralelo, possibilidades de uma nova linguagem para a arquitetura e seus expoentes, cujas fisionomias aguardam classificação que as acomode. Norman Foster, Cesar Pelli, Jean Nouvel, Santiago Calatrava para citar alguns dos mais famosos. Em todas elas, o aço laminado está presente cada vez mais, disputando com os grandes painéis de vidro a definição da linguagem daquela produção.
Ainda à margem de tal produção, mas com um extenso campo a experimentar, a arquitetura brasileira deverá buscar sua linguagem, não mais para ditar estilos ou fundar escolas, mas para responder às demandas do seu desenvolvimento econômico e sociocultural.
Para esta breve exposição, contamos com a cordial e prestimosa colaboração dos engenheiros-calculistas e professores Sebastião Andrade (da PUC- Rio) e José Martinho (da UERJ).