A Etiópia pode ser mais desenvolvida que a Alemanha? Como uma provocação, a arquiteta suíça Fabienne Hoelzel faz a pergunta e responde afirmativamente: “em termos de mobilidade, se pensarmos nas cidades subsaarianas sem carros, podemos dizer que elas estão mais próximas do futuro que desejamos do que as cidades europeias. Na Etiópia, 80% da população se locomove a pé. Não estou fazendo uma glorificação da pobreza, apenas questionando o modelo de desenvolvimento”, comentou a Arquiteta no debate Arquitetura da Inclusão Social, o primeiro do 27º Congresso Mundial de Arquitetos.
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Fabienne apresentou o conceito de Afrotopia, que, em sua interpretação, é o que se pode ter como utopia não especificamente para a África, mas para outras regiões do mundo: “o que se pode aprender ‘na’ e ‘com a’ África”, disse a arquiteta, que, atualmente, divide seu tempo entre Zurique, na Suíça, e Lagos, na Nigéria – as duas cidades onde seu escritório – o Fabulous Urban – está sediado.
Afrotopia é o nome do livro lançado pelo escritor e economista senegalês Felwine Sarr, com uma abordagem crítica sobre passado, presente e futuro do continente africano. Sarr aponta que a receita para o desenvolvimento da África ainda é definida no Ocidente e, agora, na China. E defende que sejam questionados os padrões e parâmetros externos pois “o futuro não deve ser transformar as cidades africanas em cópias de metrópoles do mundo inteiro”. No livro, ele escreve que “o continente não precisa mais correr nos caminhos que lhe indicam, mas caminhar na trilha que escolher para si”.
É com esse conceito em mente que Fabienne percorre o Makoko, maior favela flutuante do mundo, em Lagos, ouvindo seus moradores e trocando experiências e conhecimentos com eles. “Temos que entender que aquela comunidade tem um modo de vida, autossustentável. Não se pode pensar em uma intervenção de cima para baixo, que não considere o que já existe e funciona naquele local”.
Esse foi o ponto de interseção entre as apresentações de Fabienne e da historiadora e socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho, que relaciona o desenvolvimento das cidades ao contexto político. Ela contou como boa parte das cidades brasileiras cresceu e se urbanizou desordenadamente durante os governos militares e o que representou a Constituição de 1988, marco da restituição da democracia no país, com um capítulo em que foram destacadas as funções sociais da cidade. “Ficou definido que a cidade deve servir ao bem estar dos seus habitantes. A partir de então, na década de 1990, tiveram início as primeiras intervenções urbanas em áreas de assentamento informal. O Favela-Bairro, que eu acompanhei, no Rio de Janeiro, tinha o intuito de manter o que a população havia feito com seus esforços, as suas casas, e levar a elas a cidade, ou seja, dotar aquelas áreas de serviços básicos e espaços públicos de lazer”.
Maria Alice ressaltou também a importância da escuta e da troca de experiências e conhecimentos com as comunidades. Ela foi quem elaborou, para o Programa Morar Carioca, um manual para ajudar os arquitetos nesse diálogo com os moradores das favelas. Para a socióloga, as falhas nas cidades refletem as insatisfações do cidadão com a configuração social e “denunciam que não há uma participação democrática na construção dos espaços de vida”.
O debate terminou com uma proposição: que sejam estudadas e elaboradas formas de participação ativa dos cidadãos no planejamento urbano; “governos híbridos”, como sugeriu Fabienne. Ela conta que muitas comunidades na África se autossustentam, se resolvem, e que os governos não são muito eficazes em prover o que essas comunidades precisam. E questiona, então, qual seria uma forma de implementar métodos de planejamento urbano pontuais, mas que se conectem – e sem liberar o governo da responsabilidade de prover condições de vida às comunidades. “Como poderíamos ter novas formas de governança, além do ‘de cima para baixo’ ou ‘de baixo para cima’?”.
A pergunta é pauta para muitas das próximas discussões do UIA2021RIO. Para Maria Alice, uma mostra da capacidade de auto-organização das comunidades se deu durante a pandemia, quando, na ausência do Estado, moradores de favelas brasileiras criaram suas próprias redes de assistência. “As comunidades têm muito a ensinar e contribuir no planejamento urbano”, destacou.