O primeiro encontro do Fórum Permanente de Fomento à Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social (Athis) reuniu arquitetos e urbanistas, entidades de luta por moradia e movimentos sociais, além de representantes dos projetos aprovados no edital passado. O evento aconteceu no dia 10 de maio, na sede do CAU/RJ.
O objetivo era apresentar ao público presente o andamento dos projetos do edital de 2018. A conselheira Luciana Ximenes e a convidada externa Paloma Monerat também aproveitaram o evento para anunciar o ingresso na comissão de Athis. Propostas de melhorias para o próximo edital também foram sugeridas ao longo do fórum.
Antes do balanço do edital de 2018 e apresentação dos projetos aprovados, Maíra Rocha, coordenadora da Cathis, explicou a diferença entre cada seleção: “O primeiro edital era para dar visibilidade à causa. A gente queria englobar o maior número de regiões. E foi um sucesso. Em 2019, a gente precisa repensar a linha de raciocínio e analisá-lo junto com a sociedade”.
Representantes de quatro dos sete projetos aprovados apresentaram o andamento das propostas e avaliaram a iniciativa do Conselho e da Cathis. “O CAU/RJ foi uma alternativa para nós produzirmos com qualidade, em um momento em que as portas para criação de políticas públicas estão se fechando”, comentou Pablo Vergara, arquiteto e urbanista do projeto de unidade pedagógica de agroecologia em Macaé. No dia 27 de abril, foi realizado o primeiro Fórum de Agroecologia de Macaé.
O arquiteto e urbanista Will Robson Coelho explicou o projeto da legalização da posse, por meio de Usucapião Coletiva, de terreno na Chácara do Catumbi. Segundo o Estatuto da Cidade, é preciso criar um condomínio especial, mas há poucas regras detalhadas. O projeto selecionado no edital de Athis está ligado à legalização dessa área, transformando a favela em um condomínio.
Carolina Kroff apresentou o projeto Ocupação Vitor Gianotti, que propõe a requalificação com mudança de uso de um antigo hotel para 26 unidades habitacionais em edifício no Santo Cristo, Rio de Janeiro.
Criar categorias para classificar os participantes foi uma das principais críticas feitas para a elaboração do próximo edital. Representante do Movimento Nacional de Luta por Moradia de Maricá, Telma Martins, explicou a dificuldade de movimentos populares competirem com entidades mais fortes. Também foi apresentado o projeto Morar Legal, da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Volta Redonda.
Ao apresentar a minuta do edital 2019, Maíra Rocha explicou que a Comissão procurou manter, o máximo possível, o formato do edital anterior para não atrasar o lançamento. A principal mudança, posta em discussão, foi em relação aos eixos. Em 2018, as ações a serem patrocinadas poderiam ser relativas a: Produção habitacional autogestionária; Melhorias habitacionais em assentamentos humanos, urbanos ou rurais; Defesa de direitos à moradia digna e à cidade e contra remoções forçadas; e Desenvolvimento de ações estratégicas visando diagnosticar, estruturar e universalizar a assessoria técnica em habitação de interesse social, sendo possível combinar este último com os tópicos anteriores. A Comissão ainda não definiu se este eixo será incorporado aos demais ou se não haverá alterações.
A aprovação do PL 642/2017, de Marielle Franco, na Câmara também foi assunto no evento. O projeto regulamenta assistência técnica gratuita para construção e reforma de casa para famílias de baixa renda.
Confira carta produzida pelo Fórum:
CARTA DO FÓRUM DE ATHIS
O Fórum de ATHIS reunido no Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ), no dia 10 de maio de 2019, apresenta essa carta a sociedade, considerando que:
- Nos meses de fevereiro e abril deste ano, o Rio de Janeiro viveu uma nova situação de calamidade decorrente de enchentes, inundações e alagamentos. É notável a reincidência de situações semelhantes em decorrência de ciclos chuvosos na cidade.
- O município do Rio de Janeiro possui cerca de 2 milhões unidades habitacionais[1], com déficit habitacional superior a 220 mil unidades habitacionais[2];
- O município também registra mais de 400 mil unidades em condições de precariedade, correspondendo a aproximadamente 20% das moradias do município[3];
- É sabido que a produção habitacional no município (tanto pelo setor público quanto pelo privado) historicamente não enfrenta de forma eficiente o enorme déficit, ao passo que a política urbana em curso potencializa um amplo processo de remoções, que atingiu cerca 80 mil pessoas entre os anos de 2009 a 2016[4]. Cabendo ressaltar que foram construídas mais de 50 mil unidades do Programa Minha Casa Minha Vida neste período, das quais apenas cerca 25 mil destinadas às famílias com renda de zero a três salários mínimos. Tal produção habitacional, além de estar muito aquém da necessidade em termos quantitativos, foi realizada massivamente na periferia urbana.
- O Estado do Rio de Janeiro possui mais 4 mil famílias vivendo em aluguel social. Os valores registram R$ 400,00 por família, ou seja, muito abaixo do valor realizado no mercado de aluguel, inclusive o informal;
- A taxa de desemprego no Estado chegou em 2017 a 11,4%[5] e uma população em situação de rua, somente na capital é de aproximadamente 15 mil pessoas[6].
- O número de mortes decorrentes da calamidade vivida entre os meses de fevereiro e março deste ano já chega a mais de 15 pessoas[7];
- O plano de contingência e as medidas para prevenção e mitigação de danos sob responsabilidade do poder público não mostraram-se eficientes e foram construídos sem a participação das comunidades;
- Foi aberta a “CPI das Enchentes”, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, para tratar do tema e apurar as responsabilidades[8];
- Diversas comunidades, em diversas localidades, ampliaram sua organização e suas reivindicações para buscar e reafirmar seu direito constitucional à moradia digna e a permanência em seu território;
- E, por fim, a percepção de um fenômeno recente, de que a permissividade o do Estado levou ao fortalecimento de uma produção de moradias, muitas vezes, destinadas a população de baixa renda, por grupos paramilitares capazes de dominar política e economicamente os territórios populares. Tal produção não segue as normas e os padrões construtivos oficiais, tampouco são fruto da autoconstrução popular;
É sabido que nos reunimos para discutir projetos assistência técnica que visam contribuir para garantia do direito à moradia e à cidade, que perpassam melhorias habitacionais, regularização fundiária, bem como planos populares. Diante disto, não poderíamos deixar de nos posicionar na luta pelo direito à moradia e à cidade, que essas comunidades enfrentam há décadas. Portanto, elencamos aqui algumas medidas emergenciais que cabem ao poder público diante do cenário posto:
Esclarecer à população se existe, e como está sendo executado, o plano de contingência para as enchentes e desastres naturais para as comunidades, se possuem sistema de alerta, sistema de abrigamento, se existem grupos de mobilização formados com treinamento periódico, a frequência das simulações e como se dá o transporte de feridos para o sistema de saúde. Além de outras demandas, como a apresentação dos mapas precisos de riscos geológicos/geotécnicos, com a descrição das medidas a serem adotadas para cada área de risco. Além da exposição dos motivos pelos quais o Município do Rio de Janeiro não decretou estado de calamidade, o que possibilitaria o acesso às verbas federais do sistema nacional de proteção e defesa civil, que dariam possibilidade de melhores condições de enfrentamento das graves demandas locais.
Contudo, entende-se que tais medidas são urgentes, mas não capazes de reduzir as situações de risco já dadas. Cabe ao poder público traçar uma política urbana que priorize a população de baixa e sua condição de vulnerabilidade socioambiental, tendo em vista que historicamente esta vem sendo alijadas de suas perspectivas. Neste sentido, instrumentos de planejamento como Planos Local de Habitação de Interesses Social são essenciais. Nestes planos cabem políticas continuadas de urbanização para as favelas, de melhoria e produção habitacional, que garantam o protagonismo popular ao longo de todos os processos, lançando mão de instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor, no intuito de garantir o cumprimento da função social da propriedade e da cidade.
Rio de Janeiro, 10 de maio de 2019.
FÓRUM DE ATHIS
[2] Cf. Fundação João Pinheiro, 2014.
[3] Cf. Fundação João Pinheiro, 2014.
[4] Ver “Guia para jornalistas e comunicadores: Violações de Direitos na Cidade Olímpica”, 2016.
[6] Cf. Secretaria de Assistência Social, 2016.
[8] Cf. Câmara Municipal do Rio de Janeiro, 2019.