Por Pablo Benetti
O feirão de imóveis da União, que incluía a venda do Palácio Gustavo Capanema, acende preocupação que vai além da defesa do nosso patrimônio cultural. Com o anúncio da intenção de venda de centenas de imóveis federais na cidade do Rio, sendo parcela significativa na região central, perde-se oportunidade de dar uma virada na política habitacional carioca, que priorize as camadas mais pobres da população.
A existência desse estoque significativo de imóveis federais enseja a possibilidade de inverter, mesmo que parcialmente, a lógica de ocupação nas áreas centrais, com habitações destinadas às faixas de renda mais baixa. As maiores oportunidades para as famílias de baixa renda estão no Centro expandido dada a oferta de serviços públicos, como educação, saúde e mobilidade, e de emprego.
Na composição do preço de um imóvel, o valor da terra e da localização assumem montantes expressivos. Por esse motivo, a moradia popular, quando pautada apenas pelos valores de mercado, raramente consegue se localizar nas áreas centrais da cidade. Mudar essa realidade somente é possível com a atuação do Estado. Além de uma questão de justiça social, é mais barato e mais sustentável investir em moradia popular no Centro. A única forma viável para reviver o Centro do Rio é privilegiar seu ator fundamental: o povo.
Foi anunciada inicialmente a disponibilização para o chamado feirão de imóveis da União de 168 imóveis sendo 35 deles do SPU e 133 do INSS. Uma análise mais aprofundada revela que muitos deles poderiam ser destinados a faixa de renda de 1 a 3 ou de 3 a 5 salários mínimos.
Da lista do SPU, destacamos 8 imóveis (números 2,4,10,19,20,21,23,24) que possibilitariam a construção de 525 unidades habitacionais de aproximadamente 70 metros quadrados ou superiores, e 808 apartamentos de 45 metros quadrados. Na do INSS, destacamos 10 imóveis (números 1,2,3,6,7,11,13,15,17,50) que possibilitariam a construção de 250 apartamentos de 70 metros quadrados e de 1962 apartamentos de 45 metros quadrados. Somando as duas listas, teríamos total de 3545 apartamentos, sendo 775 apartamentos de 70 metros quadrados e 2770 apartamentos de 45 metros quadrados, o que atenderia 12407 moradores em uma estimativa conservadora.
Ou seja do total de bens da União, entre terrenos e prédios, 67 (79% deles) continuariam sendo ofertados à iniciativa privada. Apenas 18 imóveis (ou 21 % deles) seriam destinados à habitação de interesse social para as faixas de renda de 1 a 3 e 3 a 5 salários mínimos.
Tais imóveis podem ser disponibilizados sem a necessidade de venda do patrimônio público. Em termos jurídicos, o domínio direto permaneceria com a União, disponibilizando-se apenas o desfrute do bem, que pode, inclusive, ser transmitido, desde que salvaguardadas as mesmas condições. Ao garantir o domínio direto, o poder público pode, e deve, gravá-lo com a mesma finalidade – habitação de interesse social –, evitando-se assim a gentrificação e a perda dos subsídios alocados.
Artigo originalmente publicado pelo jornal “O Dia” em 18/09/2021: Pablo Benetti: Rio na vanguarda da política habitacional | | O Dia (ig.com.br)