Entrevista com o presidente da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura, AsBea, Vicente Giffoni.
“O intercâmbio e a integração devem ter como balizadores a visão de que trata-se de um processo de mão dupla, em que a presença das empresas estrangeiras seja exercida assim como a nossa presença no mercado internacional, com regras e princípios claros, porém com uma visão contemporânea de regulação e concorrência de mercado”, avalia Vicente sobre a presença de escritórios estrangeiros no mercado de trabalho brasileiro.
1- Nesses últimos 20 anos quais as transformações sofridas pela categoria?
As transformações sofridas pela categoria são enormes, em todos os sentidos. A destacar o posicionamento do arquiteto e do urbanista perante os processos de renovação urbana e de estruturação das cidades, como também perante a sociedade civil e na retomada de liderança das questões projetuais, como também na inovação tecnológica e nos processos construtivos. A criação do CAU, ainda recente, é uma conquista cujos reais significados e conseqüências estão apenas começando.
2- Neste mesmo período, em função dos avanços tecnológicos em particular a informática, quais as mudanças mais expressivas ocorridas no exercício da profissão?
Com a evolução dos avanços tecnológicos e de computação gráfica, todo o processo que envolve a cadeia produtiva e os projetos complementares, sob coordenação do arquiteto, ganhou agilidade e transparência liberando o tempo dedicado à atividades como criação e relação com o cliente, bem como incremento da qualidade arquitetônica final.
3- Como resultado das perguntas anteriores, como você avalia os novos rumos da profissão em relação ao exercício e também ao produto arquitetônico?
Com profundo otimismo, porém ressaltando a importância e necessidade de os profissionais estarem conscientes das demandas que a nova legislação e regulamentação das NBRs específicas vão ocasionar no nível de compromisso e responsabilidade do arquiteto no produto final arquitetônico, em especial na qualidade da obra e das especificações de materiais e soluções tecnológicas, cuja coordenação cabe ao arquiteto e por ele deve ser exercida.
4- Na sua opinião, como deve ser a posição de nossas entidades em relação a presença de escritórios e empresas de projetos estrangeiras no mercado de trabalho brasileiro?
Devemos ter posição que seja coerente com o processo inexorável de globalização da arquitetura e de mercado. O intercâmbio e a integração devem ter como balizadores a visão de que trata-se de um processo de mão dupla, em que a presença das empresas estrangeiras seja exercida assim como a nossa presença no mercado internacional, com regras e princípios claros, porém com uma visão contemporânea de regulação e concorrência de mercado.
5- Com a saída dos arquitetos e urbanistas do sistema CREA/ CONFEA e a criação do CAU – lei Nº 12.378 – como deverá se dar a divisão de atuação das demais entidades dos arquitetos?
Em um primeiro momento isso não deveria ocorrer, o CAU deveria ser fortalecido como principal atividade de representação da categoria, porém categorias como lighting designers, arquitetos de interiores e paisagistas deveriam ter responsabilidades e interesses específicos reconhecidos.
6- Como deverá ser equacionado o sombreamento da atuação profissional entre o arquiteto e o engenheiro civil, já que agora estão filiados em Conselhos próprios?
A própria formação e competência dos profissionais, bem como a regulação do mercado, deveria nortear e balizar esse sombreamento.
7- Para efetiva aplicação das atribuições profissionais definidas pela Lei Nº 12.378, quais deverão ser as modificações no ensino da Arquitetura de modo a adequá-lo ao que estabelece a lei?
O ensino de arquitetura, além das modificações intrínsecas e inerentes a própria compatibilização da atividade profissional contemporânea ao ensino, deve considerar que com o CAU a profissão atingiu um momento de maturação e crescimento onde os arquitetos passam a ter suas atribuições com mais clareza e a retomada de responsabilidades e funções que em nenhum momento deviam ter deixado de ser da categoria. O que estava confuso era a percepção do mercado e do público, potencializada pelo fato de arquitetos, engenheiros e agrônomos estarem erroneamente submetidos a um mesmo Conselho.
8- Qual a sua opinião sobre a Política Habitacional e Urbana(s) desenvolvida(s) hoje no país?
Cabe aos arquitetos e urbanistas a definição da melhor solução do ponto de vista projetual na escala do edifício e da cidade, o que não ocorreu de maneira apropriada por políticas e questões de financiamento inadequadas e não sincronizadas. Mesmo com a criação de programas como o “Minha Casa Minha Vida”, cujo desenvolvimento ficou muito mais ligado à indústria da construção civil do que aos arquitetos e urbanistas, essa retomada da liderança da categoria nessas políticas é imprescindível para o incremento na qualidade das cidades e habitações. Programas como “Morar Carioca”, “Rio Favela” e afins são um progresso apenas inicial, mas inequívoco.
9- Como você classifica a qualidade da produção arquitetônica e urbanística em nossas cidades e até onde vai a responsabilidade dos arquitetos nestes projetos e obras?
Com a retomada econômica e a melhoria no mercado como um todo, novas demandas e oportunidades surgem naturalmente e a participação do arquiteto e urbanista passa a ser compreendida como essencial no processo. Cada vez mais a globalização contribui na melhora desta percepção e a atuação dos profissionais passa a ser valorizada e necessária, inclusive, para agregar valor aos empreendimentos.
10- Quais deveriam ser as medidas concretas e objetivas de alteração da Lei Nº8666 para que seja garantido o Concurso Público de Projetos como forma usual de licitação e contratação?
Se por um lado, distinguimos perfeitamente as questões do público e do privado, a realização de concursos públicos de projetos, bem estruturados, transparentes e elaborados de modo à valorização da criatividade aliada ao conhecimento especifico, gera uma oportunidade de renovação e qualificação no universo do público. Por outro lado, a licitação dos projetos arquitetônicos e urbanísticos baseados puramente no critério de menor preço é uma profunda distorção que não considera nem a criatividade, nem as soluções tecnicamente inovadoras, nem a experiência profissional como vetores fundamentais para a escolha de projetos. No caso da iniciativa privada estes critérios, em linhas gerais, são observados e considerados de maneira natural e regulamentada pelo mercado.