O déficit habitacional no Brasil tem sido objeto de informações estatísticas contraditórias. Algumas pesquisas estabelecem números que variam entre 7 e 10 milhões de moradias. Cerca de 70% deste déficit se concentra nas regiões nordeste e sudeste do país. Somente no Estado do Rio de Janeiro este número atinge 515 mil unidades, sendo 221 mil só na cidade do Rio.
As estatísticas acima dão conta do atual passivo sem levar em consideração as demandas futuras, uma vez que 85% da população brasileira vive em cidades, quase todas sem infraestrutura urbana adequada.
Todos os 5.565 municípios brasileiros apresentam algum déficit de habitações e algo como 30% estão acima da média em relação à necessidade de moradias.
Até o momento, por meio do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), lançado em 2009, o Governo Federal entregou 1,6 milhão de unidades, prometendo até o final de 2014 atingir o número redondo de 2 milhões de habitações. Em cinco anos de programa, este é um número não desprezível, mas muito aquém do desejado, como reconhece o próprio governo federal, no sentido de erradicar um problema que vem se agravando nas últimas décadas.
Uma política única, centralizada pelo governo federal, dificilmente conseguirá resolver uma questão tão complexa, que envolve diversidades regionais do ponto de vista econômico, social, cultural e principalmente político.
As políticas centralizadas para o setor já foram experimentadas na época do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH). Hoje, as mesmas anomalias surgidas anteriormente repetem-se com algumas variações: alto índice de inadimplência; e endividamento dos condomínios que não conseguem arcar com as contas de luz, água e outras taxas. Cabe destacar que 65% das populações assentadas são oriundas das áreas de risco em que viviam na informalidade, no subemprego com baixa renda familiar, muitas vezes abaixo da faixa de 0 a 3 salários mínimos.
As patologias que ocorreram nos conjuntos do BNH e CEHAB começam a surgir nos conjuntos do MCMV – gatos (luz/água), puxadinhos para bares, vendas de alimentos, cabelereiros etc. (o programa deveria ter previsto e proposto estas soluções). A solução verticalizada adotada na maioria dos casos induz à proliferação do tráfico de drogas, pois dificulta a ação repressiva do aparelho policial. Por fim, nota-se ainda no MCMV a baixa qualidade dos projetos de arquitetura, muitos deles elaborados pela própria construtora responsável pelas obras preocupadas principalmente em baratear custos de forma a viabilizar seus investimentos.
A primeira fase do MCMV foi desenvolvida utilizando áreas remanescentes dentro do perímetro urbano. Estas áreas começam a escassear, o que certamente, para construção de grandes conjuntos como modelo adotado, obrigará implantá-los distantes das zonas de serviço das cidades, repetindo o processo de segregação social e espacial, penalizando o povo trabalhador com tempos enormes de deslocamentos.
A primeira fase do MCMV foi desenvolvida utilizando-se áreas remanescentes dentro do perímetro urbano. Assistimos, então, a repetição do processo de segregação social e espacial que penaliza o povo trabalhador com deslocamentos diários. Isto porque as áreas disponíveis para construção no perímetro urbano começam a ficar escassas, e para atender o modelo adotado de grandes conjuntos é necessário implantá-los distantes das zonas de serviço das cidades, porque é onde há disponibilidade de terrenos.
O quadro, portanto, é complexo e exige debate e reflexão sobre a necessidade de reformulação e ajustes no atual programa MCMV. Algumas questões parecem consensuais para estudiosos do problema habitacional brasileiro, a saber:
- Maior autonomia dos municípios na formulação de suas próprias políticas habitacionais;
- Na municipalização das ações, privilegiar a urbanização de populações já assentadas; e a utilização de retalhos de terrenos urbanos com a construção de conjuntos menores;
- O desenvolvimento de tecnologias alternativas locais que permitam efetivamente baratear o custo das construções;
- O estímulo à autoconstrução, conjugada a criação de cooperativas, acesso ao crédito e à assistência técnica.
Ao longo da história da humanidade, as cidades nasceram, cresceram e se transformaram pelo esforço e iniciativa de seus habitantes. A dimensão do problema habitacional em nosso país somente se resolverá se acreditarmos na energia e capacidade criativa de nosso povo. O estado brasileiro deve ser o facilitador e o estimulador do espírito empreendedor das populações que necessitam de moradias. Para isso, o governo deve garantir a oferta de recursos por meio da universalização do crédito imobiliário – assim como hoje é oferecido para as populações de baixa renda, como o crédito para a compra do primeiro carro e eletrodomésticos.
Caberá também ao poder público o planejamento e a assistência técnica das obras – pelo seu corpo de servidores, universidades e instituições profissionais – para que essa produção espontânea da população ocorra dentro de padrões mínimos de segurança e integrada holisticamente ao crescimento das cidades.
O CAU/RJ reafirma seu compromisso de oferecer o saber específico dos profissionais que o compõe para as soluções dos problemas fundamentais da nossa sociedade.