O cidadão fluminense sabe o quão difícil é caminhar pelas ruas das cidades do Rio de Janeiro. Excesso de obstáculos, ausência de sinalização tátil e sonora e calçadas mal projetadas são alguns problemas que fazem parte do cotidiano das pessoas com deficiência. As barreiras da acessibilidade foram discutidas e vivenciadas na prática pelos participantes da edição Campos dos Goytacazes do VIII Encontro com a Sociedade do CAU/RJ. Evento aconteceu nos dias 5 e 6 de abril, no Auditório Miguel Ramalho do Instituto Federal Fluminense – Campus Centro.
Apesar de algumas cidades terem avançado na regulação e definição de padrões para construção de calçadas, as normas são ainda genéricas. Exemplo é o município de Macaé, apresentado pela arquiteta e urbanista e representante da Associação de Arquitetos e Urbanistas de Macaé (Arau-Macaé), Monique Ferraz. “A falta de normatizações claras e bem definidas provocam vários problemas. Infelizmente, o nosso modelo de cidade prioriza máquinas, não pessoas”. De acordo com a coordenadora da Comissão de Acessibilidade do CAU/RJ, Regina Cohen, a mobilidade urbana tem sido motivo de várias discussões e planos, mas a acessibilidade está muito distante do que deveria ser. “Quando falamos em acessibilidade e desenho universal, tratamos de fatores que vão além das calçadas. Estamos discutindo também o projeto arquitetônico”, disse. Monique apresentou o caso da comunidade de Sweetwater Spectrum, localizada na cidade de Sonoma, na Califórnia. “É um local muito interessante, especialmente para os autistas. Esse conjunto habitacional tem um clima social bastante calmo e as construções possuem cores claras. Tudo é pensando para evitar estímulos desnecessários aos moradores, reduzindo o stress”, explicou Monique.
Ainda segundo Monique, o papel social do arquiteto e urbanista é grande e não se limita a resolver problemas de acessibilidade, mas garantir que nenhuma pessoa seja excluída da sociedade. “Um dos papéis dos espaços públicos é a promoção de contatos sociais, criação de memória e de cultura. As calçadas e os passeios públicos são fundamentais nesse sentido”, completou. Nesse sentido, a prefeitura do Rio de Janeiro realizou estudo das calçadas cariocas. O trabalho, além de mapear a situação das calçadas da cidade, apresenta parâmetros de larguras e declividade da via pública, padrões para rampas, normas para instalação de mobiliário urbano, entre outros. De acordo com a arquiteta e urbanista Claudia Grangeiro, a administração municipal começou a atualizar o conteúdo. “O pedestre é prioridade nessa revisão. O enfoque está alinhado com as boas práticas em termos de desenvolvimento urbano nas cidades contemporâneas. É o que chamamos de pirâmide sustentável, onde o índice de caminhabilidade tem grande protagonismo”, explicou Cláudia. O índice de caminhabilidade é uma ferramenta usada para avaliar as condições do espaço urbano e monitorar o impacto de ações de qualificação do espaço público, indicando em que medida favorecem ou não os deslocamentos a pé.
As apresentações dos palestrantes do encontro deixaram claro que a democratização dos espaços públicos e privados pode ser alcançada através do projeto arquitetônico. Apesar de as Normas Técnicas e legislações apresentarem diretrizes gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade para as pessoas com deficiência, ainda há muito a se avançar na questão. Segundo o conselheiro do CAU/RJ Gustavo Manhães, o Conselho está atento à questão e eventos como o encontro em Campos dos Goytacazes são importantes não só para sensibilizar a sociedade e poder público, mas conscientizar a sociedade. “Nós, arquitetos e urbanistas, somos responsáveis por projetar espaços acessíveis e agradáveis. O conhecimento das normas e leis é indispensável, nesse sentido. Inclusive, ao preencher o Registro de Responsabilidade Técnica (RRT), existe um campo onde o profissional diz que o trabalho atende às normas de acessibilidade”, explicou. O RRT comprova que serviços de arquitetura e urbanismo possuem um profissional responsável técnico habilitado.
O engenheiro civil Alexsander Maschio apresentou a experiência do município de Timbó, em Santa Catarina. O prefeito criou uma estrutura de desenvolvimento de projetos na administração municipal e resolveu os problemas da cidade em uma gestão. “O prefeito acabou com o discurso de que não tinha recursos. O primeiro ano de gestão, enquanto a população cobrava por obras do tipo tapa-buracos, foi dedicado à elaboração de projetos. Todos completos e detalhados, com orçamento definido e cronograma. Com os planos prontos, foi atrás do BID, do BNDES, entre outros parceiros. Captou R$ 80 milhões”, disse. Ainda segundo Maschio, não dá para pensar em cidades inteligentes sem antes resolver o problema da infraestrutura urbana. “Mobilidade urbana, drenagem pluvial, saneamento básico, saneamento ambiental, tecnologia da informação e comunicações, tudo está diretamente ligado as nossas vias. A Nova Agenda Urbana da ONU prioriza as pessoas. Entretanto, nossas cidades são pensadas para os carros”, criticou.
Diferente da cidade do interior catarinense, a cidade do Rio de Janeiro apostou em licitações de obras públicas com projetos incompletos, através do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), com resultados mais do que insatisfatórios, a exemplo da Ciclovia Tim Maia. “Além da inexistência de projeto completo, a comprovação de experiências de projeto executivo de obras-de-arte especiais, pelas empresas licitantes, foi retirada do edital de licitação. Já ocorreram três desabamentos em trechos diferentes do equipamento, com a morte de duas pessoas”, afirmou o vice-presidente do CAU/RJ Lucas Franco. O arquiteto e urbanista citou também o caso da reforma do Maracanã. Orçado em R$ 705 milhões, a obra custou R$ 1.217.776.834,57. Ao todo, foram 16 aditivos contratuais. “Para acabar com o desperdício do dinheiro público e zelar pela qualidade das obras, o CAU e o Confea propõem 15 mudanças no projeto da nova lei de licitações públicas. Entre elas, acabar com os leilões para a contratação de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual; contratação de projeto por melhor técnica ou por técnica e preço; e contratação de obra pública só com projeto completo”, defendeu Franco.
Para o presidente do CAU/RJ, Jeferson Salazar, o poder público precisa ter a coragem de acabar com a falta de planejamento e assumir o compromisso de construir cidades mais inclusivas e acessíveis. “A competência de fazer o planejamento urbano é do Estado. Muitas vezes, a ausência de planos e projetos é a própria política. A cidade não pode ser tratada como negócio. A cidade é um espaço de construção coletiva, de convívio. Não podemos mais aceitar essa situação de forma passiva. Precisamos dizer não e cobrar dos poderes públicos as políticas que queremos. Políticas de inclusão social, que façam a cidade um direito de todos”, criticou.
Desde o ano passado, os Encontros com a Sociedade do CAU/RJ são realizados de forma regionalizada, buscando envolver maior número de profissionais e cidadãos. Este ano, além de Campos dos Goytacazes, o evento ocorrerá nas cidades de Petrópolis e Duque de Caxias, além do Rio de Janeiro. As datas das próximas edições do encontro serão divulgadas em breve.