O Palco Mundo do UIA2021RIO, o 27º Congresso Mundial de Arquitetos, recebeu, na tarde de segunda-feira (19), premiadas arquitetas da sua lista de keynote speakers: Elizabeth de Portzamparc, brasileira radicada na França; a alemã Anna Heringer; e Tatiana Bilbao, do México. Mulheres que oferecem à arquitetura contemporânea potentes visões de mundo, afastando-se de uma lógica técnica e funcional do ofício, as três cativaram o público com suas reflexões.
Elizabeth de Portzamparc trouxe à discussão o conceito de “Arquitetura Nexus”, que defende a conexão entre diversos elementos na hora de se pensar e fazer arquitetura. Já Anna Heringer
defendeu um método de trabalho focado na justiça social e na inclusão de comunidades em projetos que podem transformar suas vidas. Por fim, Tatiana Bilbao promoveu uma poética apresentação da casa como ato social, que abriga rituais para os quais a arquitetura deve sempre olhar.
ELIZABETH DE PORTZAMPARC E A ARQUITETURA DE CONEXÕES
Elizabeth de Portzamparc introduziu os debates da segunda tarde de UIA2021RIO. Ao público do congresso, apresentou o conceito de “Arquitetura Nexus”, explicando que “nexus” é uma palavra latina que é sinônimo de conexão, embora, no Brasil, o termo “nexo” seja usado para definir algo que faz sentido e é lógico. Ela é defensora de uma arquitetura de conexões, que contempla a interligação de todas as dimensões da realidade, incluindo fatores sociais, econômicos, culturais, históricos, ecológicos e científicos. Durante sua fala, explicou que a cidade se baseia em sistemas interativos e que a tradição de uma visão urbana funcionalista afeta negativamente a vida cotidiana dos habitantes.
– Eu gosto da riqueza da palavra nexo, dizendo que o significado das coisas vem das relações que elas estabelecem entre si, ou seja, a ideia só faz sentido se ela mantém relações com outros assuntos. Eu uso Nexus para definir minha visão de arquitetura: tudo o que ela é e tudo o que ela contém. A arquitetura é inseparável de uma visão de mundo, comprometida tanto com a transformação social quanto com sua preservação. Como na natureza, cada edifício pertence a um ambiente com o qual deve estar em harmonia. Ele se instala, modifica e evolui com o lugar, passando a pertencer ao ecossistema com o qual irá evoluir – disse Portzamparc.
ANNA HERINGER ENFATIZA A NECESSIDADE DE JUSTIÇA SOCIAL
Motivada pela crença de que a arquitetura é uma ferramenta para melhorar vidas, a alemã Anna Heringer descreveu, no UIA2021RIO, sua forma de trabalhar como sendo pautada pela
sustentabilidade, pela inclusão e pela justiça social. Ao longo da palestra, a arquiteta apresentou alguns de seus trabalhos: a escola que criou em Rudrapur (Índia); Anadaloy Bangladesh, centro para pessoas com deficiências e oficina têxtil; e o Albergue Bamboo, na China. Em todos, Heringer buscou utilizar materiais que fossem favoráveis à comunidade local e ao meio ambiente.
Para ela, a melhor estratégia para o desenvolvimento sustentável é buscar os recursos disponíveis na região, sem ficar dependente de fatores externos, valorizando materiais como terra, lama e bambu. Entre estes elementos, Heringer aponta a lama como campeã de uso, devido à possibilidade que ela apresenta de ser reciclada inúmeras vezes sem sofrer perda de qualidade; além disso, pode ser retornada ao solo e ter um jardim plantado por cima. A arquiteta também ressaltou a importância da energia humana, para que pessoas – crianças, adultos ou idosos – se envolvam na construção dos projetos, uma vez que o material usado não apresenta risco aos envolvidos.
Anna falou sobre a importância de um pensamento sistêmico, que considere tudo e todos os impactados pelo trabalho de um arquiteto desde o princípio:
– Quando escolho um material, pergunto-me quem ficará com o lucro. E, no fim da minha carreira de arquiteta, quando eu estiver a somar todos os orçamentos de construção que passaram pela minha mão e pelos quais fui responsável, quero poder dizer a mim mesma que foi para os artesãos e para as pessoas, e não apenas para as grandes indústrias.
A alemã apontou, ainda, o problema de se utilizar apenas uma estratégia de construção, que se aplica a ⅓ da população mundial, enquanto a outra parte não consegue pagar pelo uso da tecnologia. Essa diferença de poder aquisitivo entre nações não deveria, portanto, levar algumas pessoas a se sentirem no direito de consumirem mais recursos. Ela destacou que não há carência de materiais, nem de informações, mas de relações realmente boas. Ao tratar da clássica discussão na arquitetura “a forma segue a função ou a função segue a forma?”, Anna concluiu:
– A forma segue o amor.
TATIANA BILBAO: O FASCÍNIO PELOS RITUAIS DO ESPAÇO DOMÉSTICO
Em uma poética apresentação intitulada “A casa como ato social”, a mexicana Tatiana Bilbao fechou as palestras de keynote speakers na tarde de 19 de julho. A arquiteta recordou-se da experiência de trabalhar na construção de um mosteiro, no leste da Alemanha, e de como o trabalho foi fundamental para fazê-la refletir sobre os sensos de comunidade, espiritualidade e ritual. Ela percebeu, então, como essas noções que perpassam o cotidiano de um ambiente religioso também estão intrínsecas ao espaço doméstico, sem nos darmos conta disso.
– Fui criada para entender hábitos humanos para construir espaços sem banir rituais. Uma das coisas mais importantes que eu compreendi é que ritual significa vida, e como é importante a relação entre o indivíduo e a sua comunidade. Os monges têm uma comunidade interna, na qual todos trabalham para manter o corpo e sustentar a espiritualidade. Essas relações são escaladas dentro do mosteiro. Nós ainda não entendemos isso na comunidade, mas estamos sempre em busca desse tipo de relação. Vivemos num mundo onde tudo é privado ou público, individual ou coletivo. Esquecemos a compreensão das relações que precisamos criar e manter para nos sustentar – disse Tatiana.
A aqueles que assistiam à palestra, Tatiana levantou, então, o questionamento: “Onde a vida pode, de fato, existir nesses ambientes domésticos que criamos?”. Para ela, é papel do arquiteto ir atrás
dessas conexões – não apenas físicas, mas também de uma pessoa ou família com a casa, porque isso acaba determinando toda a vida em sociedade. Desse modo, os habitantes precisam se envolver na reflexão sobre o espaço, trazendo à tona seus hábitos, sentimentos, emoções, atividades do dia a dia e estilo de vida. A mexicana crê que o que há de mais urgente na arquitetura é como ela pode se tornar uma plataforma que coloque a existência humana como centro de tudo, e não a produção. Tatiana Bilbao assina obras como o Central Park Mazatlan (México), a Torre de Guatemala (Guatemala) e a Monarch Sustainable Neighbourhood Angangueo (México).
Fonte: UIA2021RIO