Se criar um projeto e desenvolvê-lo, levando em conta normas técnicas rigorosas e tentando atender as demandas do cliente, é um desafio diário para qualquer arquiteto e urbanista, imagine acompanhar de perto a complexidade dos projetos para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Esta tem sido a rotina do Arquiteto e Urbanista Roberto Ainbinder, diretor de projetos da Empresa Olímpica Municipal (EOM) que coordena as atividades municipais ligadas aos Jogos. A lista de tarefas é grande e inclui, entre outras instalações, o Parque Olímpico, considerado o “coração do evento”, e o Complexo Esportivo de Deodoro.
Para Ainbinder, “a magnitude da organização de uma Olimpíada só é comparável a de uma guerra, em que não dá para adiar o dia D”. Vale lembrar que faltam 344 dias até o começo das Olimpíadas, no dia 5 de agosto de 2016. A contagem regressiva, no entanto, não é uma preocupação para o diretor da EOM, que garante que as obras estão rigorosamente no prazo. Em entrevista para o CAU/RJ, ele falou sobre o desafio de tirar os projetos do papel e sobre o legado que os Jogos deixarão para a cidade.
Qual é o panorama atual das obras para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos?
Durante muito tempo havia uma desconfiança de que as obras estavam atrasadas porque as pessoas iam ao Parque Olímpico e não viam as obras, mas havia uma cidade de infraestrutura sendo construída embaixo. Ganhamos o direito de sediar os Jogos em 2009 e a partir dali começamos a trabalhar nesse grande desafio. Isso requer planejamento.
Primeiro desenvolvemos uma modelagem para o Parque Olímpico, que envolveu o desenho de uma Parceria Público-Privada, em que venceu o Consórcio Rio Mais, e um concurso público internacional para a escolha do projeto do masterplan. Depois veio o desenvolvimento de cada uma das instalações, com complexidades distintas. [A construção das] maiores começou antes e as menores, depois. Os prazos para terminar as obras estão vinculados aos eventos teste. Não temos nenhum interesse em antecipar essas datas para não criar um gap de manutenção desse espaço, o que só iria onerar o poder público. Hoje, todas as obras estão rigorosamente dentro do planejado, dentro desse conceito de entregar na data estabelecida.
O que o senhor destaca nas instalações olímpicas em relação aos métodos construtivos e critérios de sustentabilidade e acessibilidade?
Estamos usando conceitos inovadores que já foram testados como: reúso de água, com um sistema de drenagem do Parque Olímpico e filtragem da água de chuva que vai para a Lagoa de Jacarepaguá; tetos verdes – já implantado no IBC office onde ficam os estúdios de televisão; energia solar dentro das Arenas 1, 2 e 3, para aquecimento de água. Há um sistema de solartubes que são tipos de claraboias, com uma lente que intensifica a luz do sol. Quando você entra nas Arenas 1, 2 e 3, parece que há um refletor aceso. Há também ventilação cruzada para evitar o uso intenso de ar condicionado. Alguns dos equipamentos que usam ar condicionado durante os Jogos não precisarão usar depois.
Quanto à acessibilidade, todas as arenas contemplam não só as normas brasileiras da Abnt, como também as normas internacionais e as do Comitê Paralímpico, sempre que possível. A Via Olímpica, via de 1 km que liga a [Av. Embaixador] Abelardo Bueno até a área de convivência, tem uma rampa que vai de 0 até 6 metros de altura. Estamos com uma inclinação abaixo do que a norma pede. É uma subida muito suave. Em todos os estádios a norma pede 1% dos lugares para deficientes. Colocamos 1% só para cadeirantes, por um pedido do Comitê Paralímpico, chegando a um total de quase 2% para pessoas com deficiência. Tudo é acessado por rampa e/ou elevador.
De que forma esses parâmetros podem contribuir para uma mudança de cultura nas obras públicas?
Em relação à acessibilidade, o Rio tem um passivo gigantesco. Depois do Rio Cidade, que, efetivamente, incorporou esses elementos na sua concepção de projeto, houve um hiato de tempo em que essa questão ficou um pouco parada. Depois isso foi retomado pela prefeitura, que criou uma secretaria específica, a Secretaria de Pessoas com Deficiência, mas os jogos dão um sentido de urgência a essas questões.
Que legado os Jogos Olímpicos vão deixar para o Rio?
Há os legados tangíveis e intangíveis da Olimpíada. Houve mudanças na relação entre os três níveis de governo; dentro da própria estrutura da prefeitura, na forma de lidar com projetos que têm urgência olímpica. Os órgãos tiveram que se organizar para dar mais celeridade aos processos de licenciamento e aprovação. Há uma cultura de urgência, prazo e metas.
Com as Olimpíadas, alguns projetos que estavam engavetados puderam ser implantados em um curto espaço de tempo, como o Porto Maravilha. Há 30 anos fala-se da importância da renovação da área portuária e não se conseguia superar obstáculos burocráticos e fundiários.
O VLT está sendo implantado em toda aquela região, de 5 milhões de metros quadrados; há as melhorias do sistema metroferroviário, a renovação das estações de trens e a expansão do metrô e vários outros projetos para a cidade, como os BRTs. Em pouco tempo foram implantados mais de 100 km de BRT, o que eu considero um dos legados mais incríveis das Olimpíadas. E a integração entre todos esses modais. Antes, tínhamos linhas de transporte, hoje estamos caminhando para ter um sistema de transportes todo conectado entre si, com uma abrangência territorial bastante significativa. As pessoas questionam por que BRT e não metrô. É uma questão custo/benefício. Foram implantados 100 km de BRT a um custo que não se implantaria 5 km de metrô. A Transcarioca, em dois anos de operação, está transportando 440 mil pessoas.
Mas existe o problema da superlotação… O que está sendo feito para ampliar a capacidade dos BRTs?
A superlotação é um problema, realmente. Mas é melhor ter esse problema do que não ter nada. Estão sendo estudadas a criação de terminais em Guaratiba e Sepetiba para desafogar [os BRTs], a contratação de mais ônibus. A questão envolve não só mais ônibus e headways. É preciso uma infraestrutura para completar essa lógica. Isso está sendo feito, mas é um “bom problema”. Qualquer processo sempre tem ajustes. Talvez a capacidade tenha sido subestimada, a demanda foi maior que a esperada, mas o sistema tem essa vantagem de ser flexível a ponto de poder colocar mais ônibus, diminuir o headway e criar estações terminais que diluam essa demanda.
E em relação ao legado das instalações olímpicas?
Das 30 instalações esportivas que vão ser utilizadas nos jogos, 15 já existiam. Das que precisaram ser construídas, [analisamos] o que precisava ser feito de forma definitiva ou temporária. Procuramos associar um legado às instalações temporárias, ao que chamamos de arquitetura nômade, o que é uma inovação em termos olímpicos: construir uma estrutura temporária e já saber exatamente como ela será utilizada após o período dos Jogos. A Arena do Futuro será desmontada e serão construídas 4 escolas públicas. Você sabe exatamente para onde vai cada pilar, cada escada, você sabe para onde vão as peças. No Estádio Aquático, a mesma coisa. Vai ser desmontado e vai se transformar em dois centros aquáticos. Fizemos o projeto com estruturas metálicas e aparafusadas.As Arenas 1, 2 e 3, o Centro de Tênis e o Velódromo, que são permanentes, vão constituir o Centro Olímpico de Treinamento. A Arena 3 vai se transformar numa escola pública, no GEO, uma escola que é voltada para a formação esportiva. A Arena 2 será exclusiva para alto rendimento junto com a Arena 1 e será gerenciada pelo COB. A Arena 1 é a única em que um pedaço da arquibancada será mantido. A capacidade passará de 16 mil para 7,5 mil pessoas. Essa arena tem o potencial de arrecadação de receita, com a realização de eventos, e concomitantemente o treinamento do alto rendimento.
A escolha da Barra em detrimento da zona Portuária, mais central, para a concentração dos equipamentos olímpicos tem recebido críticas. Por que a opção pela Barra? Como o senhor lida com essas críticas?
Contrariamos algumas consultorias internacionais de candidatura olímpica que diziam que devíamos concentrar as Olimpíadas em apenas uma região da cidade porque a dispersão dificulta a operação. Procuramos descentralizar, espalhar as Olimpíadas pela cidade. Temos um cluster em Deodoro; na zona Central, outro na zona sul que é nosso cartão postal e outro na Barra da Tijuca. Nem é Barra da Tijuca. O Parque Olímpico está em Jacarepaguá, região de Curicica. Um dos nossos “mantras” era diminuir ao máximo o aporte de recursos públicos e captar recursos privados. Nessa região havia muito mais possibilidades de captar recursos privados do que, por exemplo, em Deodoro. Soma-se a isso o fato que o terreno do Autódromo era da prefeitura. Hoje você tem 40% de 1,18 milhão m² desse terreno destinado ao uso privado pós-jogos. O restante dessa área vai ser pública.
No caso da Vila dos Atletas, era um terreno particular, em que houve interesse do empreendedor em fazê-la. Nunca existiu, em Olimpíadas, nenhuma Vila Olímpica sendo custeada com recursos privados, é tudo recurso público. Qual era a opção? Fazer a Vila dos Atletas em Deodoro, mas aí sairiam dois bilhões do orçamento da prefeitura ou do governo federal. Já existem programas sociais do governo que atendem à questão da moradia, como o Minha Casa Minha Vida. Em Londres fizeram a Vila Olímpica, destinaram uma parte para moradia popular, mas tudo feito com recursos públicos.
Como é a participar das Olimpíadas de perto e ser diretor de tantos projetos?
Acho que eu só vou saber dar essa resposta daqui a uns dez anos. A gente fica tão envolvido no dia a dia das questões e elas são milhares. Eu fiz uma carreira no setor público, sou concursado da prefeitura desde 92. Estava no Instituto Pereira Passos em 2002 quando houve a primeira aproximação entre a prefeitura e o Comitê Olímpico Brasileiro para uma candidatura esportiva, um campeonato mundial de natação de 2005. A gente começou a trabalhar lá atrás, teve toda essa vivência do Panamericano e, em paralelo a isso, a organização dos dossiês de candidatura para 2012 e 2016. Estou nessa história há bastante tempo e espero encerrá-la com medalha de ouro em 18 de setembro de 2016, quando acabam os Jogos Paralímpicos. Vai dar tudo certo, estamos trabalhando para isso.