O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ) repudiou as medidas instituídas pelo Decreto municipal n° 48.806, de 29 de abril deste ano. Para a autarquia, a prefeitura age coercitivamente contra grupos vulneráveis.
O normativo determina a realização de intervenção especial de ordenamento urbano em área da Avenida Rio Branco e na Praça Floriano, no Centro da Cidade. A ação é coordenada pela Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) e coíbe qualquer atividade de comércio ambulante na área de intervenção; assim como os usos de moradia; condutas e práticas que, por sua natureza ou interesse, tenham por efeito prejudicar as funções reservadas a bancos de uso coletivo, abrigos de ônibus, acessos do metrô, canteiros, monumentos, escadarias e calçadas em geral, ou inibir o perfeito compartilhamento de quaisquer equipamentos e espaços com outros cidadãos, entre outras.
Na 5ª Reunião Plenária Ordinária do CAU/RJ, realizada no dia 11 de maio, a conselheira Rose Compans criticou a decisão da prefeitura: “Vivemos a maior tragédia sanitária da cidade e do país. O Rio de Janeiro é o município com a maior taxa de mortalidade e de maior perda de trabalhos formais. A população em situação de rua aumentou demais. As pessoas estão na rua lutando pela sobrevivência”. A arquiteta e urbanista destacou a importância do ordenamento do comércio ambulante e apresentou falhas na iniciativa da gestão municipal. “Todas as grandes cidades do mundo têm comércio ambulante. Não adianta fingir que somos o Rio e não temos isso. Esconder a pobreza e a nossa realidade não vai resolver nossos problemas. O decreto não fala uma linha sobre cadastramento do comércio ambulante ou sobre pactuação com as entidades de comércio ambulante, e sabemos que eles são organizados”, afirmou Rose, que lembrou que as pessoas em situação de rua são cidadãos com direitos garantidos por lei federal.
Os conselheiros que participaram do encontro deliberaram posicionamento do CAU/RJ sobre o decreto. Em nota, a autarquia apoia a necessária requalificação da área central da cidade. Diz-se ciente de que a sensação de insegurança contribuiu para inibir investimento imobiliário e o fluxo de pessoas e, em particular, de turistas, essenciais para a retomada das atividades econômicas na região. Entretanto, considera “inaceitável a ação pública meramente coercitiva contra grupos vulneráveis, que apenas lutas por sua sobrevivência e de suas famílias”, diz o documento, aprovado em plenária.
Confira, abaixo, a íntegra do manifesto do CAU/RJ sobre o Decreto n° 48.806:
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro CAU/RJ vem por meio desta repudiar as medidas instituídas pelo Decreto Nº48.806, de 29/04/2021, que, a pretexto de ordenamento urbano, visam impedir o comércio ambulante e a permanência da população em situação de rua na região da Cinelândia, dentre outras localidades.
Apoiamos a necessária requalificação da área central. Sabemos que a sensação de insegurança contribuiu para inibir o investimento imobiliário e o fluxo de pessoas e, em particular, de turistas, essenciais para a retomada das atividades econômicas na região.
Entretanto, consideramos inaceitável a ação pública meramente coercitiva contra grupos vulneráveis, que apenas lutam por sua sobrevivência e de suas famílias. Cumpre observar que atravessamos a maior tragédia sanitária da história da humanidade, e que o Rio foi a cidade que apresentou uma das maiores taxas de mortalidade, e a que perdeu o maior número de empregos, dentre as capitais brasileiras.
É salutar que a Prefeitura se empenhe na requalificação dos espaços públicos, mas deve fazê-lo com respeito à dignidade humana, aos direitos dos trabalhadores informais e da população em situação de rua. Ordenamento urbano não pode ser sinônimo de higienização social.
Contra a criminalização da pobreza, o CAU/RJ se solidariza com todas as pessoas que venham a ser atingidas pelos efeitos do Decreto 48.806/2021, e não poupará esforços para apoiar entidades e instituições que se proponham a protegê-las de ações desumanas, arbitrárias ou ilegais.