O cenário urbano após a pandemia ainda é algo inimaginável para grande parte das pessoas. Diante dessa realidade, a revista Exame está entrevistando especialistas de diferentes áreas, que possam debater sobre as possibilidades e medidas futuras. A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik foi uma das profissionais escolhidas para discutir a situação da mobilidade urbana pós-pandemia.
De acordo com a arquiteta e urbanista, a quarentena nos apontou o caminho para as cidades terem uma melhor mobilidade após a crise com o coronavírus. Como professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Rolnik se posicionou quanto à necessidade de uma mudança futura no esquema e uso dos transportes públicos nas grandes cidades.
Confira a seguir, o depoimento de Raquel Rolnik:
“Estamos vendo já alguns impactos da quarentena, mas o caminho somos nós quem vamos escolher. Em países como China e Itália, a ausência de carros nas ruas reduziu a concentração de dióxido de nitrogênio, resultante da combustão, segundo informações preliminares. As cidades estão mais limpas.
Dados como esses podem acelerar a discussão sobre mobilidade. Somos muito dependentes dos meios de transporte sobre rodas, enquanto nossas vias de trilhos são escassas. E não estamos falando de medidas paliativas, como trocar o carro próprio pelo Uber. Talvez, a partir desses acontecimentos, o Estado brasileiro passe a investir mais em linhas de trens e metrôs. É o que precisamos para ter cidades com melhor mobilidade.
Uma mudança na mobilidade traria um outro efeito: a redução das mortes por trânsito. Metade dos leitos nas UTIs está ocupada por vítimas de acidentes de carros. No momento em que tanto se fala de nossa capacidade hospitalar para enfrentar nossas necessidades, esse é um dado importante para levar em consideração.
Por fim, uma menor dependência de automóveis poderia colocar em discussão um modelo urbanístico que ganhou força por aqui principalmente a partir dos anos 1990, que é o deslocamento de parte das classes média e média alta para as periferias, nos condomínios de alto padrão, num autoconfinamento da vida em comunidade. Esse sistema depende do carro como meio de locomoção, já que trilhos exigem alta densidade populacional. A ocupação dos espaços poderá também ser repensada.”