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6 propostas urbanas para o seu prefeito ou vereador

Escrito por Roberta Inglês

 

O que você gostaria que as autoridades locais fizessem para tornar a sua cidade melhor? Talvez você pense que seria ótimo se o prefeito decidisse alargar a pista na qual você dirige do trabalho até a sua casa, colocando algumas faixas a mais. O trânsito diminuiria, você perderia menos tempo de deslocamento… Mas será que resolveria o problema? O aumento da pista e a melhora nas condições de quem tem um carro incentivaria mais pessoas a possuírem e utilizarem um carro em seus deslocamentos também, criando um fluxo maior com o tempo, além de que os carros ocupam grandes espaços na cidade, que poderiam ser usados para outra finalidade, e são mais poluentes que outras alternativas de locomoção. Esse exemplo, como muitos outros, evidencia a importância de fazer com que os estudos e discussões do urbanismo se tornem acessíveis para todos os cidadãos, oferecendo às pessoas um entendimento além das suas percepções individuais.

A verdade é que todos nós queremos cidades melhores. Ainda que alguns prefiram ter mais espaço e arcar com custos maiores de deslocamento como consequência, enquanto outros preferem morar em um lugar menor e mais bem localizado, todos nós queremos parques, praças e equipamentos públicos com ótima zeladoria, queremos uma moradia digna, o mais perto possível de oportunidades e amenidades, e queremos que o deslocamento entre elas seja rápido e confortável. E para atingir isso, algumas estratégias são, comprovadamente, mais eficientes que outras, diante de milhares de exemplos e estudos.

Guia de Gestão Urbana, livro produzido pelo Caos Planejado em parceria com o Arq.Futuro, tem como propósito difundir, de forma prática e acessível, uma série de propostas que ajudam a endereçar os desafios atuais da gestão urbana. Ele é um compilado sobre como fazer cidades melhores. A partir dele, podemos pensar em algumas coisas que você deveria esperar dos seus governantes.

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1. Permitir adensamento em regiões de alta demanda

É compreensível que, para muitos, a permissão de uma maior densidade populacional em uma área da cidade acaba remetendo à ideia de insalubridade e desordem. No outro extremo, porém, o controle exacerbado das construções por meio da legislação tem grande impacto na acessibilidade à moradia e, consequentemente, na qualidade de vida das pessoas.

O entendimento de que uma alta densidade populacional não é sinônimo de desordem fica evidente quando olhamos para bairros como Eixample, em Barcelona, East Village, em Nova York, e Recoleta, em Buenos Aires. Todos eles têm uma densidade populacional mais de três vezes maior que a do Itaim Bibi, em São Paulo, por exemplo, e são conhecidos por sua qualidade de vida. O que torna esses bairros tão densos (nem sempre com prédios altos, inclusive) e, ao mesmo tempo, tão caminháveis, é o bom aproveitamento dos terrenos, sem recuos laterais ou frontais entre as edificações que, no urbanismo brasileiro, criam áreas “mortas” que separam as atividades dos pedestres. Esse modelo, ainda, incentiva a fachada ativa no térreo, permitindo uma calçada mais viva.

Eixample, Barcelona. Foto: Mary/Flickr

Imagine que em uma determinada região, próxima de amenidades e oportunidades de emprego, haja uma crescente demanda por moradia. Se é impossível, pela legislação, aumentar essa oferta de moradia permitindo a construção de prédios com mais área, os preços vão aumentar até que essa região se torne inacessível para várias pessoas. E se essas pessoas não podem ocupar uma área central, elas vão precisar ocupar outro local, geralmente áreas mais distantes dos empregos, gerando maiores custos de infraestrutura e maior dependência do automóvel.

Assim, permitir mais área construída e mais moradores numa região de alta demanda significa permitir que mais pessoas tenham acesso às suas atividades diárias percorrendo distâncias menores a pé, de bicicleta ou utilizando a infraestrutura existente de transporte coletivo, que também é mais eficiente quando pode atender a um número maior de pessoas dentro da mesma área. Além disso, com a utilização de outorga onerosa para permitir mais construção, cria-se uma forma de potencializar a arrecadação para investir mais em infraestrutura de qualidade naquela região.

Na prática, um governo que permite o adensamento em regiões de alta demanda é um governo que não foca em limitar demais, por meio da legislação, a área construída das edificações em cada lote (a não ser, é claro, em situações específicas de preservação ambiental ou de patrimônio histórico). Isso é uma forma de tornar a cidade acessível para mais pessoas, amenizando o aumento dos preços dos aluguéis ou até reduzindo, como mostram os estudos nacionais e internacionais sobre o tema.

Leia mais: Densidade urbana não se desenha

2. Eliminar o zoneamento entre os usos comercial e residencial

A partir do momento em que entendemos que é positivo que as pessoas possam realizar as suas atividades do cotidiano percorrendo curtas distâncias na cidade, uma segregação de usos não faz sentido. A ideia de “organização” espacial que um zoneamento de usos e atividades passa, na verdade alonga trajetos e também limita as opções dos moradores e dos estabelecimentos. Hoje, inclusive, com a realidade do trabalho remoto, essa forte distinção entre local de residência e local de trabalho já não existe para muitas pessoas.

Como Anthony Ling menciona, a consequência do zoneamento de usos e atividades é que “os bairros, então, tornam-se monofuncionais, com ruas vazias, inseguras e que incentivam o uso desenfreado do automóvel para acesso às necessidades mais básicas, como uma ida à padaria ou à farmácia”. É preciso, portanto, eliminar esse tipo de restrição nas legislações urbanísticas.

Setor de Mansões Park Way, em Brasília. Foto: Paulo H. Carvalho/Agência Brasília

Uma preocupação comum da população a respeito da mistura de usos é a conciliação dos interesses dos moradores e comerciantes de forma ordenada. Porém, vale lembrar que essa questão já é endereçada por meio de código de posturas e leis de silêncio que, por sua vez, merecem fiscalização adequada.

Leia mais: Onde estão os edifícios de uso misto?

3. Simplificar a aprovação de projetos de arquitetura

A preocupação exacerbada em regular o espaço privado faz com que os processos de aprovação de projetos nas prefeituras sejam longos e difíceis, o que prejudica a cidade e retarda as respostas do ambiente construído às necessidades das pessoas, que estão sempre mudando. Eliminar exigências desnecessárias ou prejudiciais e revisar constantemente a regulação é fundamental, como afirma o urbanista Alain Bertaud no livro Ordem sem Design. Também é importante garantir a transparência e a clareza das regulações e dos dados para a aprovação. O Place, por exemplo, é uma ferramenta que  identificou essa necessidade e tenta tornar o processo menos árduo e as informações mais acessíveis diante da enorme complexidade da legislação de uso do solo.

Entre as regras prejudiciais que são comuns hoje na legislação, podemos citar, por exemplo:

  • A obrigatoriedade de deixar afastamentos/recuos obrigatórios nos lotes, prejudicando a segurança e a vida nas ruas, que acabam sendo contornadas por muros ao invés de terem fachadas ativas;
  • A exigência de um número mínimo de vagas de garagem em uma edificação, limitando o projeto e aumentando o valor do imóvel, mesmo que não seja um desejo do morador ou comprador.

Leia mais: Como a legislação impede uma boa arquitetura

4. Regularizar e urbanizar assentamentos informais

De acordo com o Censo de 2022 do IBGE, 8% da população brasileira vive em favelas e comunidades urbanas informais, o que corresponde a 16,6 milhões de pessoas. É impossível desconsiderarmos isso quando pensamos em como fazer cidades melhores, pois muitas dessas pessoas não têm acesso à infraestrutura, saneamento, serviços e oportunidades. Os processos de regularização dessas áreas são complexos e necessitam de um planejamento baseado em um mapeamento detalhado da realidade.

Favela Nova Jaguaré, em São Paulo. Foto: Hugo Martins/Flickr

O benefício social da urbanização e regularização dos assentamentos informais é muito maior do que a criação de grandes complexos de habitação de interesse social, na maioria das vezes afastados dos centros urbanos e das oportunidades, na tentativa de fazer com que as pessoas se mudem para lá. Para lidar com uma comunidade já estabelecida como as de muitas favelas, o caminho mais eficiente, tanto do ponto de vista social quanto do econômico, é levar infraestrutura e melhorar a conexão desses bairros com o resto da cidade.

Mais importante que apenas regularizar as moradias, é preciso levar urbanização de qualidade para esses assentamentos. Nesse sentido, podemos tomar como exemplo o caso de Medellín, que transformou favelas por meio de intervenções físicas, sociais e institucionais. Ou também olhar para a estratégia do land readjustment(reajuste de terras), que propõe uma reorganização física para promover melhorias em espaços previamente ocupados irregularmente.

Leia mais: Reavaliando a política habitacional: o acesso à moradia através da infraestrutura

5. Priorizar o espaço público ao invés do privado

Enquanto governos gastam boa parte do tempo discutindo questões relacionadas ao espaço privado, como a limitação de uso, de forma e de altura de prédios mencionados aqui, os espaços públicos carecem de atenção. O que acontece na gestão hoje é uma inversão de prioridades, pois enquanto os terrenos privados têm outros responsáveis que também estão sujeitos às demandas de mercado, as quais refletem as necessidades das pessoas, apenas o poder público cuida dos espaços públicos.

É comum ver a zeladoria urbana sendo deixada de lado nas cidades brasileiras. A arborização urbana e as calçadas geralmente ficam sob responsabilidade do proprietário do lote adjacente. As ciclovias são normalmente esquecidas e não têm boas conexões entre si. Praças e parques públicos são, muitas vezes, mal conservados. Enquanto isso, vemos longas discussões sobre quais áreas devem contabilizar ou não nos espaços privados na aprovação de um projeto, por exemplo. Evidentemente, o foco dos governantes deve ser revisto, priorizando zeladoria e manutenção dos espaços públicos, infraestrutura e transporte coletivo.

Leia mais: Quais deveriam ser as prioridades para o urbanismo brasileiro?

6. Priorizar a mobilidade ativa e o transporte coletivo

Em relação à mobilidade, é preciso priorizar o deslocamento a pé, de bicicleta ou por meio do transporte coletivo. Além de ocuparem menos espaço nas cidades, esses modais são menos poluentes que o automóvel particular. No desenvolvimento das cidades brasileiras, o carro foi privilegiado por várias décadas, e é compreensível que até hoje, em muitos locais, a maioria das pessoas usa ou deseja ter um carro, afinal ele é o meio de transporte mais rápido e confortável para os seus trajetos diários.

Porém, como muitas cidades ao redor do mundo comprovam, para promover qualidade de vida urbana para as pessoas é preciso fazer com que os outros modais mencionados aqui se tornem alternativas ainda mais interessantes, rápidas, seguras e confortáveis do que o carro particular. E como o governo pode fazer isso? Além de permitir o adensamento, que aproxima as distâncias entre as pessoas, é preciso garantir, entre outras coisas:

Rua das Flores, em Curitiba. Foto: WRI Brasil/Flickr

Leia mais: A mobilidade ativa como solução para o tempo perdido no trânsito

Certamente existem outras coisas que você poderia esperar dos seus governantes além das mencionadas aqui. Mas com essas reflexões e sugestões é possível construir um caminho melhor para as nossas cidades, um que não se apoia em percepções pessoais, mas em um embasamento técnico que considera os dados, as experiências de outras cidades e a promoção de qualidade de vida para a população.

Via Caos Planejado

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