A saída dos arquitetos e urbanistas de um Conselho multiprofissional (CREA/CONFEA) não aconteceu por uma simples dificuldade de relacionamento entre arquitetos e engenheiros, afinal esta convivência multidisciplinar entre profissionais do mesmo campo tecnológico ocorreu por décadas. Esta falsa rivalidade exacerbada por muitos, de certa forma, infantiliza os verdadeiros conflitos de disputa de espaço e mercado de trabalho.
Idiossincrasias a parte, a decisão de criar o CAU foi sábia no sentido de se reabrir e garantir novos mercados de trabalho, muitos deles desbravados por colegas que nos antecederam e que recentemente vinham sofrendo restrições por resoluções do nosso antigo Conselho, ao qual éramos filiados e em minoria. Quantos não tiveram o dissabor de ver seus Atestados Técnicos com ressalvas no verso sobre a inaptidão de realizar determinados serviços.
A nossa profissão no campo da edificação isolada, como também no desenvolvimento das cidades, vinha sofrendo interpretações limitadoras da sua plena atuação. A Lei Nº 12.378 de 31/12/2010, que estabelece as atribuições do arquiteto e urbanista, com suas respectivas regulamentações, e as Resoluções 21 e 22(*) restabeleceram princípios históricos do exercício profissional que se traduzem pelo paradigma de que arquitetura e urbanismo estão além dos espaços projetados, mas principalmente pelos espaços, efetivamente, construídos. Esta forma de ver a profissão nos obriga a assumir mais compromissos e responsabilidade, mas também alarga o nosso mercado de trabalho.
A Lei Nº 12.378/2010 e suas Resoluções complementares estabelecem novos limites em nossa atuação profissional. A sua leitura atenta produz pelo menos duas questões que precisamos enfrentar com urgência:
1 – As áreas de sombreamento com outras profissões, particularmente com os engenheiros em suas diversas especializações. É evidente que sem desassombro, devemos sentar à mesa com estes profissionais e debatermos de igual para igual as questões profissionais que originam conflitos de atribuições sem a preocupação anterior de sermos minoria. Se conseguirmos Resoluções conjuntas serão ótimas conquistas para nós, profissionais, mas principalmente para a sociedade. Se não, o próprio mercado definirá por confiança qual o profissional mais habilitado a atender suas demandas. É essencial que esta experiência de relacionamento inter-conselhos demonstre-se efetiva e profícua, para que haja regras claras quanto as áreas de atuação privativas (aquelas que só podem ser exercidas pelos arquitetos e urbanistas), e quanto as áreas de atuação que serão legalmente compartilhadas. Caso estas negociações impliquem em prazos excessivos para a conclusão destes acordos, caberá ao CAU/BR, isoladamente, por força do inciso 1º do artigo 3º da Lei 12.378, aprovar Resoluções sobre as matérias que ainda não obtiverem consenso, o que evidentemente não impede eventuais alterações futuras. É sempre importante observar criticamente os acordos já firmados quando ainda participávamos do CREA, quando estabeleceu-se áreas de atuação privativas de cada profissão consagradas pela Resolução 1010 do CONFEA.
2 – A nossa efetiva formação acadêmica exige ajustes curriculares para atender adequadamente todas as atividades, atribuições e campos de atuação estabelecidos pela Lei Nº 12.378/2010 e Resoluções 21 de 5/04/2012 e 22 de 04/05/2012. As Instituições de Ensino Superior (Universidades), a ABEA (Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura) e o CAU estão diante de um grande desafio. O ensino de arquitetura e urbanismo deverá sofrer grandes transformações de modo a não permitir que a lei que regulamenta nossa profissão, conquista de gerações de arquitetos, se reduza a letra morta. Esta é uma ação premente que nos obriga a uma discussão sem preconceitos e regras corporativas pré- estabelecidas. É urgente reconhecer que hoje, o ensino acadêmico oferecido não forma o futuro profissional para enfrentar o espectro das atividades e atribuições consagradas em Lei. Esta é a questão central, que resolvida, permitirá de fato a ampliação do nosso mercado de trabalho, independentemente da vontade ou autodidatismo de alguns colegas.
Sigamos em frente na afirmação da nossa profissão, com a certeza e a responsabilidade de que estamos hoje construindo mais uma etapa na nossa história profissional. Que tenhamos a lucidez necessária de preparar um campo fértil para as novas gerações de arquitetos e urbanista que nos sucederá.
(*) Leia no site do CAU/RJ o texto integral da Lei Nº 12.378 e Resoluções nº 21 e 22.