Em sua ação transformadora, na busca de abrigo e sobrevivência, o ser humano, com frequência, desrespeitou o meio que o acolhia. Do artesanato para a indústria, a aceleração dos processos produtivos e dos meios de comunicação fez com que os homens, em seus assentamentos, julgando ser a natureza generosa e inesgotável coadjuvante, ignorassem o meio ambiente, culminando na explosão dos centros urbanos nutridos por complexas redes consumidoras dos recursos naturais. Sobretudo nos países periféricos ao primeiro mundo, o crescimento demográfico e os movimentos migratórios geraram áreas degradadas, sem outra expectativa senão a oferta de mão de obra e a sobrevivência precária em assentamentos insalubres. Mesmo a população usufruindo de infraestruturas urbanas favoráveis sem a preocupação dos riscos contidos em seu crescimento econômico, adensava-se focando o meio ambiente como fornecedor de matéria prima. Jardins e áreas verdes criados com vistas à amenização e à salubridade ambiente, dispersavam as preocupações com o possível esgotamento dos recursos naturais, sobretudo a água.
A complexidade das grandes edificações, em geral verticalizadas, exigindo infraestrutura predial cada vez mais sofisticada, na busca de eficiência e conforto, multiplicou grandes sistemas consumidores de energia: redes de abastecimento, de iluminação, de circulação e as de conforto ambiental, para domesticar as adversidades climáticas. A economia com o “custo” da construção em si e a busca de uma “eficiência predial” deixavam em segundo plano a possibilidade de esgotamento dos recursos. Gerada a partir das usinas transformadoras e consumidoras de recursos naturais, a energia elétrica levada às grandes edificações, assumiu papel crucial, tornando-se responsável pelo funcionamento de praticamente todos os sistemas.
Condenado nos manuais de construção, o desperdício viria à cena ao lado de outros protagonistas
A revolução tecnológica que marcou a última década do século XX fez com que se consolidasse a preocupação com a sustentabilidade, significando o uso racional dos recursos e a possível (e desejável) reciclagem dos mesmos. A água, a energia, os materiais aplicados – resultantes da industrialização da matéria prima – passam a integrar a edificação sob outro enfoque. As já conhecidas e pouco aplicadas energias solar e eólica passam a desempenhar papel importante na produção energética “limpa”.
Transformar sem eliminar, usufruir sem esgotar, mais que um jogo de palavras, torna-se desafio e nova demanda social
Nas grandes cidades que tiveram violentadas suas paisagens natural e cultural em episódios desastrosos, tais preocupações marcarão um novo momento para a vida urbana. As edificações e demais intervenções no espaço habitado, através de projetos elaborados sob nova ótica, tentarão conquistar Certificações fornecidas por órgãos nacionais ou estrangeiros para obras que, de fato, contenham elementos preservadores e garantidores da sustentabilidade. Assim, racionalidade e economia ganham significado mais amplo em novos projetos, seja na climatização artificial dos edifícios, no tratamento, coleta e reutilização da água e, sobretudo, no uso de materiais reciclados (movimento que pode convocar pequenas e médias indústrias).
No caso brasileiro, o microclima adverso predominante em muitas áreas urbanas, que exige a climatização artificial, poderá ser equilibrado otimizando o conforto ambiente com novos processos de troca e insuflação, como também aplicando materiais mais eficientes na proteção das fachadas. Nas grandes fachadas envidraçadas, seguindo a tendência da “pele espelhada”, serão utilizados os vidros especiais, com baixíssima condutibilidade térmica. Programas de racionalização no comando dos elevadores fazem com que seus movimentos tornem-se mais eficazes. Sensores óticos evitam a permanência ociosa de luzes artificiais acesas. O aproveitamento da água das chuvas, em coletores e reservatórios próprios, e a drenagem do esgoto primário permitem uma expressiva economia, direcionando o líquido para as funções de lavagem e irrigação, reservando a que é fornecida pela rede pública para indispensáveis funções de consumo. E mesmo para estas finalidades já se desenvolvem processos de tratamento da água para a reciclagem e uso na própria rede predial.
As experiências com edificações com tais preceitos crescem nos principais centros urbanos. Redes da internet, como o ARCOWEB, prestam informações pertinentes aos projetos e soluções à busca de qualificações avalizadas por Organismos internacionais, oferecendo o selo de qualidade através de Certificações (LEED – Leadership in Energy and Environmental Design), caso do Green Leaves Council do Brasil e do PROCEL (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), cujos informes podem ser colhidos através da Internet. Este programa, aliás, criou uma hábil e divertida cartilha para orientar projetos voltados para o tema da Sustentabilidade (Eficiência Energética na Arquitetura, de Roberto Lamberts, Luciano Dutra e Fernando O. R. Pereira – PRO-LIVROS – 2004).
Contudo, devemos reconhecer que a busca pela racional aplicação de materiais e técnicas na construção, preservando o meio ambiente e poupando os recursos naturais, tem sido iniciativa, por ora, das grandes corporações, que ao mobilizar volume significativo de recursos podem aguardar com tranquilidade o retorno do capital investido. Os processos de refinada tecnologia e a aplicação de materiais de ponta ainda não estão no horizonte dos pequenos e médios investidores (pelo menos em nosso meio), mas a divulgação da aplicação dos mesmos poderá formar uma cultura: cautela face o uso e consumo dos recursos naturais, sua aplicação racional, com vistas ao não esgotamento. Que prevaleça o conceito. Mestres como Lúcio Costa, Jorge Moreira e Paulo Sá preocuparam-se com a orientação solar das edificações e, sobretudo, de seus cômodos, segundo o uso e o destino, e ainda buscaram materiais adequados ao clima tropical de nossas cidades, como, por exemplo, as peças de cerâmica, que atingiram expressivo nível de qualidade, quer pela natureza quer pelas técnicas de aplicação. Obras de Severiano Porto e de João Filgueiras Lima alinham-se na busca de harmonizar meio, construção e usuário.
É importante reconhecer que a arquitetura da sustentabilidade é também um caminho de abertura para a atividade profissional do arquiteto em resposta às diferentes demandas, lembrando que os cursos de formação, hoje ministrados, deverão aparelhar seus currículos de modo a melhor capacitar e conscientizar os estudantes naquele sentido. Preservação, manutenção e controle predial ganharão maior espaço nas procuras do mercado e os arquitetos deverão estar aparelhados para tal demanda.
Como reflexão, antes que crescessem entre nós tais preocupações e admitindo a pertinência das críticas a obras destinadas a atender programas sociais, vale lembrar que, pelo menos no Rio de Janeiro, a legislação é permissiva e usada com desenvoltura até em projetos de habitações multifamiliares de maior categoria, o que gera obras de duvidosa qualidade.
A arquitetura é um desfrute do homem para seu conforto físico e espiritual e pouco lhe valerá preservar recursos se habitar espaços subdimensionados e insalubres. À luz de tais princípios, a atual legislação que trata do solo urbano mereceria uma indispensável revisão, para que os urbanistas, ao fixarem densidades populacionais, projeções ou volumetrias adequadas às intenções de um plano urbano, possam otimizar condicionantes ambientais (cuidados com a ventilação e a orientação solar), por onde começará a conquista da sustentabilidade.
Uma boa construção começa com um bom projeto. Um bom projeto implicará sempre na boa qualidade do espaço, nas suas articulações e dimensões adequadas e no bom uso dos materiais, jamais esquecido o resultado plástico inerente à arquitetura. Os critérios usados para alcançar a sustentabilidade repousarão nestes procedimentos, atribuições dos profissionais da arquitetura e do urbanismo.