O Conselheiro do CAU/RJ Adir ben Kauss faz uma avaliação crítica das transformações sofridas pela categoria nas últimas décadas, comenta sobre a relação ideal entre o Conselho e escritórios estrangeiros e propõe um reestudo curricular das Faculdades de Arquitetura.
1 – Nestes últimos 20 anos quais as transformações sofridas pela categoria?
Desde os anos 80 que a profissão vem sofrendo profundas transformações. Com a proliferação dos cursos de arquitetura, muitos deles com baixa qualidade de ensino, acrescida ainda da massificação cultural da sociedade brasileira, os jovens arquitetos perderam a compreensão do papel social da profissão e ainda mais grave, o próprio foco da essência do ofício, que é o de organizar e ordenar os espaços físicos do edifício e da cidade. Perdeu-se o espírito de formulação, pioneirismo e mesmo vanguarda do pensamento técnico e humanista nacional, tão visíveis anos 50/60/70. A profissão transformou-se num grande contingente de profissionais sem identidade, rumo e propostas. Nos últimos 20 anos este quadro se agravou, muitos são os que nem conseguem acessar o mercado, quando muito realizam funções como cadistas, vendedores etc. É inegável que hoje a profissão, enquanto categoria, vive uma crise grave que precisa ser entendida e enfrentada por todos nós que vivemos da atividade.
2 – Neste mesmo período, em função dos avanços tecnológicos em particular a informática, quais as mudanças mais expressivas ocorridas no exercício da profissão?
Evidente que a informática trouxe inúmeras facilidades no processo de elaboração projetual. É uma grande facilitadora através dos programas, softwares e etc, para realização dos desenhos, arquivos, apresentações dos projetos e controle de obras. Entretanto, sem uma boa ideia ou conhecimentos técnicos não existe computador que dê jeito. Outra questão a ser observada, é a mudança da paisagem dos escritórios e sua própria constituição, hoje o escritório pode ser um notebook e as atividades realizadas à distância. Isso muda as relações de trabalho, custos, relação entre profissionais etc.
3 – Como resultado das perguntas anteriores, como você avalia os novos rumos da profissão em relação ao exercício e também ao produto arquitetônico?
Em função do que foi dito na resposta anterior, penso na retomada do velho conceito do “atelier”, que deverá estar presente nos grandes escritórios e empresas públicas, isto é, pequenas equipes por projeto. A informática nos instrumentalizará para criação de propostas formais, antes quase impossíveis de serem representadas graficamente. Sem dúvida que será mais fácil modelar uma ideia esteticamente engenhosa. Além, evidentemente, das facilidades dos programas voltados para a construção civil e planejamento urbano e ambiental.
4 – Na sua opinião, como deve ser a posição de nossas entidades em relação a presença de escritórios e empresas de projetos estrangeiras no mercado de trabalho brasileiro?
Claro que é importante a troca de experiências com colegas estrangeiros, ainda mais com obras em nossa cidade dos grandes nomes internacionais da arquitetura. Isso valoriza o nosso espaço urbano. Entretanto, é fundamental que se estabeleça uma relação de reciprocidade do exercício profissional entre os arquitetos brasileiros e os outros mercados. Isto somente acontecerá se o CAU firmar convênios e acordos bilaterais com as demais entidades coirmãs dos outros países. Não podemos aceitar também que profissionais brasileiros sirvam apenas para assinar plantas ou sejam testas de ferro de escritórios estrangeiros. O CAU deve realizar uma fiscalização rigorosa e criteriosa nessa atividade/relação.
5 – Com a saída dos arquitetos e urbanistas do sistema CREA/CONFEA e a criação do CAU – lei Nº 12.378 – como deverá se dar a divisão de atuação das demais entidades dos arquitetos?
É cedo para tentarmos definir o futuro de nossas entidades. Necessário ainda decantar todo este processo de criação do CAU. Uma coisa tenho certeza, se o CAU não se restringir a ser somente um órgão normativo e fiscalizador da profissão, mas um defensor vigoroso dos interesses da sociedade brasileira, por certo se tornará a instituição de referência de todos os arquitetos e da sociedade civil. Acho que em breve, teremos de reunir IAB, Sindicatos, Abea, Asbea, etc para uma rica, profunda e generosa discussão sobre os seus destinos.
6 – Como deverá ser equacionado o sombreamento da atuação profissional entre o arquiteto e o engenheiro civil, já que agora estão filiados em Conselhos próprios?
A Lei 12.378 em seu artigo 1º estabelece nossas atribuições. Devemos exercê-las plenamente ocupando os espaços profissionais garantidos por lei. Arquitetura não é espaço projetado, é espaço construído (vale para o edifício e para cidade). Nós, arquitetos, devemos ser responsáveis por todas as disciplinas que envolvem o planejamento e a construção civil. Não podemos abrir mão desta verdade histórica da nossa profissão. As demais profissões que procurem respostas em seus próprios Conselhos. Resoluções conjuntas entre Conselhos são desejáveis, mas não suficientes. Se nós não assumirmos a plenitude de nosso ofício, qualquer Lei ou Resolução por melhor que seja se transforma em letra morta.
7 – Para efetiva aplicação das atribuições profissionais definidas pela Lei Nº 12.378, quais deverão ser as modificações no ensino de Arquitetura de modo adequá-lo ao que estabelece a lei?
Esta é uma bela e corajosa discussão que teremos de enfrentar. Se nossas faculdades não preparam adequadamente seus alunos, futuros arquitetos, para o exercício profissional estabelecido em Lei, todo esforço de criação do CAU poderá ter sido em vão. Há que se fazer um reestudo curricular fortalecendo, inclusive, o ensino das cadeiras técnicas das diversas disciplinas que envolvem o espaço construído. Penso que a Abea deve liderar imediatamente este debate entre nós.
8 – Qual a sua opinião sobre a Política Habitacional e Urbana(s) desenvolvida(s) hoje no país?
O esforço governamental na redução do déficit habitacional é sempre louvável. Mas é triste observarmos a repetição dos erros cometido pelo extinto BNH nos anos 60/70. Conjuntos construídos em áreas afastadas, sem infraestrutura de saneamento e transportes. Soluções arquitetônicas sem criatividade, ausência de pesquisa de materiais, tecnologias alternativas, linguagens regionais, enfim, o mesmo modelo tão criticado por nós arquitetos. As cidades são e sempre serão construídas por seus habitantes. A questão fundamental a ser resolvida é o acesso a terra; a segunda questão, o crédito; a terceira, a assistência técnica, o resto o povo resolve.
9 – Como você classifica a qualidade da produção arquitetônica e urbanística em nossas cidades e até onde vai a responsabilidade dos arquitetos nestes projetos e obras?
A produção arquitetônica de nossas cidades é controlada fundamentalmente pelo capital imobiliário. Habitação, edificação, terra urbana para o capital é mercadoria que procura visar lucro. A lógica média do empresário brasileiro é sempre a de maior margem de lucro, a despeito da qualidade do produto. Isto está mudando? Sim, mas ainda timidamente e em pequena escala. A qualidade do que se produz não é boa. Os arquitetos são responsáveis por esta baixa qualidade? Em parte sim, apesar de atuarmos neste contexto, cujas pressões econômicas e de sobrevivência não são desprezíveis, retomo o discurso anteriormente expressado. Perdemos o fio condutor da essência da nossa profissão e neste mercado específico não passamos de fachadistas e projetistas de plantas determinadas por legislações quase sempre obtusas. Mesmo assim, é preferível a presença de um arquiteto com todas estas limitações do que sua ausência, pois por certo a paisagem urbana ainda seria pior.
10 – Quais deveriam ser as medidas concretas e objetivas de alteração da Lei Nº 8.666 para que seja garantido o Concurso Público de Projetos como forma usual de licitação e contratação?
O concurso público é e deverá ser sempre compreendido como uma modalidade de licitação. A Lei 8.666 deverá ser alterada para que em obras públicas, a partir de determinado valor, os projetos sejam contratados obrigatoriamente através de Concurso Público. Como arquitetura é um produto cultural, os concursos permitirão um maior tráfico de ideias e inovações, requalificando o espaço urbano e promovendo uma melhor qualidade arquitetônica das obras públicas. Outra anomalia que não pode ser deixada de ser abordada aqui são estas licitações de obras realizadas por meio somente de um projeto básico, fonte de reajustamentos e encarecimento. Obra tem de ser licitada pelo projeto completo. Quem ganha o Concurso deve ser contratado para a realização dos projetos executivos e coordenação dos complementares.