Neste espaço, serão publicadas entrevistas com arquitetos e urbanistas que discutirão o contexto do setor no Brasil e, em especial, no Rio de Janeiro. Nesta primeira edição, o arquiteto Sydnei Menezes – presidente do CAU/RJ – fala da importância do Conselho, das mudanças ocorridas no exercício da profissão e avalia os novos rumos da atividade profissional.
1- Nestes últimos 20 anos quais as transformações sofridas pela categoria?
Nestes últimos anos, a profissão perdeu espaço significativo no mercado de trabalho. Além da crise econômica conjuntural, o campo da atividade do arquiteto urbanista foi reduzido em função das limitações impostas por um Conselho Profissional de muitas profissões, ou seja, no antigo Sistema CONFEA/CREAs, as atribuições eram definidas por Resoluções que atendiam à logica de “compatibilizar” as diversas áreas profissionais: engenheiros, agrônomos, arquitetos, urbanistas, geógrafos, geólogos, tecnólogos entre outros. Resultando, na prática, um impedimento pleno do exercício profissional oriundo da formação acadêmica.
2- Neste mesmo período, em função dos avanços tecnológicos em particular a informática, quais as mudanças mais expressivas ocorridas no exercício da profissão?
A arte e a técnica de projetar e planejar os espaços, tanto na escala do edifício como na escala da cidade, tem evoluído a cada dia, surgindo novos instrumentos que auxiliam a ação projetual. Os diversos softwares, desde a precisão topográfica do terreno, passando pelos CADs e programas de 3D, vem permitindo um salto qualitativo no resultado final dos projetos de arquitetura e urbanismo. Evidentemente, esta constante transformação atinge diretamente aos profissionais, que necessitam cada vez buscar tais atualizações.
3- Como resultado das perguntas anteriores, como você avalia os novos rumos da profissão em relação ao exercício e também ao produto arquitetônico?
Com relação ao exercício, vejo o surgimento de um novo momento, exatamente em função da criação de um Conselho uniprofissional, onde as suas atribuições privativas e compartilhadas estão garantidas por Lei, ou seja, haverá necessariamente ações de valorização do arquiteto urbanista em direção da sua autonomia profissional. Reinserindo no contexto do mercado, como protagonista e principal responsável pela coordenação das atividades multidisciplinares que envolvem os projetos e os resultados finais materializados das obras.
4- Na sua opinião, como deve ser a posição de nossas entidades em relação a presença de escritórios e empresas de projetos estrangeiras no mercado de trabalho brasileiro?
Se partirmos do entendimento de que a arquitetura é uma atividade global, a criação de regras através de parcerias e/ou convênios com instituições internacionais deve ser estimulada, desde que se garanta o princípio da reciprocidade, ou seja, o que vale para o arquiteto estrangeiro no Brasil deve valer para o arquiteto brasileiro no exterior.
5- Com a saída dos arquitetos e urbanistas do sistema CREA/CONFEA e a criação do CAU (Lei nº 12.378), como deverá se dar a divisão de atuação das demais entidades dos arquitetos?
As entidades, todas de caráter associativo, deverão continuar a cumprir seus papéis institucionais e estatutários em prol do fortalecimento da arquitetura e do urbanismo brasileiro. Como exemplo destacaria o SARJ – Sindicato dos Arquitetos Urbanistas do Estado do Rio de Janeiro, que desempenha um papel fundamental em defesa do salário mínimo profissional; assim como o IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil, que historicamente promove culturalmente a arquitetura e o urbanismo, além da consagrada atuação na realização de concursos públicos.
6- Como deverá ser equacionado o sombreamento da atuação profissional entre o arquiteto e o engenheiro civil, já que agora estão filiados em Conselhos próprios?
Defendo a elaboração de Resolução conjunta dos dois Conselhos (CAU e CREA), assim seriam evitadas futuras demandas judiciais.
7- Para efetiva aplicação das atribuições profissionais definidas pele Lei nº 12.378, quais deverão ser as modificações no ensino de Arquitetura de modo adequá-lo ao que estabelece a lei?
As atribuições privativas e compartilhadas definidas na Lei devem nortear a formação profissional adequando e ajustando as grades curriculares.
8- Qual a sua opinião sobre a Política Habitacional e Urbana desenvolvida hoje no país?
A criação do Ministério das Cidades é um marco da retomada da elaboração e implantação de políticas públicas habitacionais. Vários programas foram lançados, alguns já abandonados e outros sendo aperfeiçoados. A disponibilidade de linha de crédito para resolver o problema que atinge a população que ganha até três salários mínimos continua sendo o grande desafio ainda não resolvido.
9- Como você classifica a qualidade da produção arquitetônica e urbanística em nossas cidades e até onde vai a responsabilidade dos arquitetos nestes projetos e obras?
A produção arquitetônica está totalmente comprometida, mesmo com as amarras legais impostas pelo Poder Público que aplica uma legislação urbanística e edilícia ultrapassada. A maioria das soluções encontradas não revela, no geral, uma boa qualidade como resultado. Além do mercado imobiliário que dita as regras, tornando o arquiteto refém do jogo de interesse especulativo. Entendo que o caminho é a desregulamentação da legislação que permite ao profissional a responsabilidade plena do seu projeto. Caberia ao Poder Público apenas determinar os parâmetros e índices urbanísticos e edilícios, e ao arquiteto definir as áreas internas, prismas de ventilação e iluminação, pé direito e outros elementos. A autonomia profissional resultará na valorização do arquiteto urbanista perante a sociedade e ao Poder Público.
10- Quais deveriam ser as medidas concretas e objetivas de alteração da Lei nº 8666 para que seja garantido o Concurso Público de Projetos como forma usual de licitação e contratação?
Transformar imediatamente em obrigação, ao invés de recomendação, a realização de concursos públicos para projetos de arquitetura e urbanismo. Separando definitivamente o projeto da obra. Ou seja, garantir primeiro a escolha do projeto, depois seu desenvolvimento em projeto executivo, juntamente com todos os complementares, com detalhamento, especificações técnicas, planilha de cálculos e tabela quantitativa e qualitativa dos materiais. O resultado final certamente seria de maior qualidade, cumprimento de cronogramas e eliminação da banalização dos aditivos que encarecem o resultado final.