Um dos critérios para escolher o local de instalação da nova sede do CAU/RJ – que agora oferece mais serviços e comodidade aos arquitetos e urbanistas – foi a qualidade arquitetônica do prédio. Em homenagem aos idealizadores desse importante edifício, construído para abrigar o Banco Nacional da Habitação (BNH), conversamos com o arquiteto e urbanista Péricles Memória Filho, filho de Péricles Memória, coordenador da obra, e integrante da equipe de 20 profissionais que executaram esse projeto que se destaca em termos de inovação tecnológica e contemporaneidade.
O Edifício Presidente Castello Branco foi inaugurado, oficialmente, em 21 de agosto de 1973, ao lado da autêntica construção da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, e, atualmente, divide a vizinhança da Avenida Chile com outros edifícios famosos, como os do BNDES, da Petrobras e da Telefônica. Caracteriza-se por suas lâminas de aço e vidro e pelo imponente teatro que ocupa um de seus blocos anexos . O projeto foi assinado pelos arquitetos e urbanistas Haroldo Cardoso de Souza e Rogério Marques de Oliveira.
A construção abrigou a instituição federal que é considerada como uma das principais para o desenvolvimento urbano da história brasileira, responsável pela formulação e implementação do Sistema Financeiro de Habitação, o BNH, operante de 1964 a 1987. O Centro Empresarial Castello Branco é o endereço de sindicatos, empresas do ramo jurídico, financeiro, bancário, associações e ONGs. Hoje abriga empresas de diversas categorias. A equipe que construiu o prédio do BNH foi pioneira na construção civil carioca. Testar ao máximo, buscar novos materiais, aprimorar técnicas faziam parte do dia-a-dia. Saiba um pouco mais dessa história pelos olhos de quem viveu, Péricles Memória Filho, que sem trocadilho, é a memória viva de uma fase áurea dessa história:

O BNH
“A ideia de construir um prédio próprio para o Banco Nacional da Habitação (BNH) surgiu após a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) em 1968 e, em 1969, começou a se pensar em centralizar as atividades do BNH, pois tinha muita gente trabalhando no Edifício Novo Mundo, na Avenida Presidente Wilson, e havia muitos lugares alugados para os diferentes departamentos e carteiras do Banco. O BNH estava ficando muito importante dentro daquele contexto de leis de política de desenvolvimento urbano e saneamento básico. Estava ampliando muito o leque de atuação, não era mais só para Habitação Social. Então, foi constituída uma comissão chamada CCS (Comissão de Construção da Sede). Foi nomeado Luiz Carlos Vital como Coordenador Geral. Ele havia sido presidente da Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara) COHAB-GB, hoje CEHAB.
Foram contratados arquitetos e engenheiros, além de outros técnicos do BNH e a coordenação se formou assim com a participação de uma empreiteira de mão de obra para as demais funções de execução. Haroldo Cardozo de Souza era coordenador de projetos e Rogério Marques de Oliveira assinou o projeto frente aos órgãos públicos. A equipe tinha 30 graduados, fora os técnicos e auxiliares. Na época, eu era um jovem idealista, cheio de vontade de fazer acontecer. Entrei no projeto como desenhista de arquitetura e terminei como chefe da divisão de normas de engenharia e arquitetura do sistema financeiro e de habitação.
Cheguei no primeiro ano da faculdade, como estagiário. Formado por três lâminas altas e esbeltas – duas de pavimentos corridos e uma lâmina central para receber prumadas e circulações verticais numa alusão a “art deco”, é embasada por volume piramidal brutalista para receber o bloco do teatro , apresentando numa visão geral formal, volumetria agradável e proporcional). Em 1971 Me apresentei a um dos arquitetos autores do projeto, e ele disse para eu me apresentar ao Ernani Macedo (um dos responsáveis pela obra do teatro anexo), ao arquiteto Gilberto Raulino e ao arquiteto Péricles Memória, coordenador da obra (que ali não era meu pai de forma alguma). Mesmo para quem estava começando a carreira, como era meu caso, era possível ver que o que estava sendo feito ali era muito diferente e iria entrar para história”.
Inovação
“Agora já é muito comum, mas para época era bem inovador: uma construção toda modulada. É possível medir as dimensões entre todas as colunas dos prédios. Todas elas têm 3, 30 m na lâmina norte e na lâmina sul. E submódulos de 1,10 m. Optou-se por 2,20 m como dimensão normal para salas. Tudo é na mesma dimensão, há padrões entre as lâminas e submódulos. Assim, a construção é racionalizada, tudo é facilitado em função de 1,10 m. Todos os materiais e todo o projeto foram feitos em função disso. Já o teatro não tem modulação fixa, pois não tinha escritórios, então, a dimensões são outras. São 56 mil m² de construção. Um bocado de obra. Três subsolos. O terceiro é pequeno, onde foi instalado um sistema de água. Não tem cisterna nem caixa d’água. Conta com um sistema hidro-pneumático para não sobrecarregar a estrutura do prédio e evitar excesso de custo físico, durante a construção. Até porque embaixo da região do morro de Santo Antônio existia uma lagoa, então, tinha muita água. Ia ficar caro instalar uma cisterna e caixa d’água. São três subsolos, 29 pavimentos na lâmina sul e 32 pavimentos na lâmina norte, sendo que ainda tem um entrepiso. Vai até o 36º piso na lâmina central. O sistema de ar-condicionado fica no 35º.
Havia um jardim na cobertura do teatro que hoje está descaracterizado. Ele foi desenhado pelo paisagista Abel Gazio. Na frente tem uma escultura enorme feita de pedra, um mármore marta rocha bruto de autoria de Pedro Correia de Araujo. Foram meses esculpindo o bloco de mármore até fazer a forma oval. Na recepção há uma escultura de árvore do mesmo artista Pedro Correia de Araújo. A esplanada externa original tinha pranchas de madeira que foram substituídas por peças de concreto, mas os espelhos d’água foram mantidos. O Teatro é uma história à parte e, particularmente, meu xodó. A ideia do BNH na época era contribuir para o incentivo cultural na cidade. A primeira peça encenada foi de Nelson Rodrigues. E foi unanimidade entre os artistas que se tratava do melhor teatro em termos de conforto e acústica da América do Sul. O projetista e consultor de acústica foi o Professor Roberto Thompson Mota). Acompanhei a obra do teatro por dois anos, foi uma coisa maravilhosa.
Nosso trabalho levou quatro anos e era quase artesanal. Desenhamos tudo: a janela, o teto. Foram mais de 1.300) pranchas de detalhes. Não tinha Autocad naquela época. Era tudo feito prancha por prancha, com detalhes a lápis e depois passados a nanquim. Uma trabalheira só. Todas ficaram para o condômino condomínio do prédio. Até as tomadinhas elétricas eram desenhadas propriamente. A obra foi de 1970 a 1974. Chegou um momento em que havia700 operários e 20 arquitetos projetando passo a passo. Era um projeto totalmente diferente do que tinha no mercado. Fomos projetando cada um dos andares. Todos os materiais foram testados contra a abrasão e fogo. A escada, por exemplo, é toda revestida de formica, desenhada racionalmente. Havia a preocupação de ter muito barulho de uma sala para outra pois as salas eram separadas por divisórias baixas-“landscape”. O teto era acústico, foi medido e revestido com material apropriado. O piso era de carpete. O ar-condicionado foi instalado pelo melhor profissional da época.
Como alguns locais precisavam de atração plástica, foram colocados painéis e obras de artistas como Caribé da Rocha. Onde seria a bilheteria do teatro, há placas de concreto com desenhos de personagens carnavalescos, feitas por Caribé. Assistíamos ele fazer. Ele passou meses no local fazendo as esculturas. No 3º. Andar do bloco do teatro, há um salão nobre, onde foi realizado o 3º Congresso Interamericano de Habitação com cabines de tradução simultânea. Fernando Pamplona, carnavalesco, foi contratado para ser cenotecnista do teatro. Ela foi professor da área na Escola de Belas Artes e fez toda a cenotecnia do local, inclusive os camarins e coxias. O urdimento do palco do teatro é um projeto inovador e incrível. Quando acabou o projeto tínhamos uma ótima e integrada equipe de arquitetos e engenheiros do sistema BNH, que foi absorvida pelo próprio Banco e se transformou no departamento responsável por analisar e fiscalizar obras pelo país inteiro. O projeto e a construção do prédio foram a complementação perfeita para minha formação ética e profissional. Já o BNH foi subitamente extinto pelo governo Sarney em novembro de 1987, absorvido pela Caixa Econômica Federal. Seu prédio sede sofreu pequenas obras de adaptação e foi fracionado para ser vendido ao mercado imobiliário”.
Entrevista concedida à LGA Comunicação