Aos 82 anos, o arquiteto e urbanista português Nuno Portas é avesso a entrevistas, mas abriu exceção para uma rápida conversa com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ). Considerado um dos mais influentes urbanistas contemporâneos, ele veio ao país para participar do seminário “Carlos Nelson abre as portas a Nuno”, realizado pela Escola da Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU/UFF), nos dias 4 e 5 de maio.
Portas nasceu em Vila Viçosa, em Alentejo. Frequentou o curso de arquitetura da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (Esbal), obtendo o diploma de arquiteto na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Foi professor da Esbal e da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Como Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, estimulou a criação de cooperativas de habitação. Também concebeu o Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), programa de habitação em áreas degradadas, sob influência do trabalho do arquiteto e urbanista e antropólogo brasileiro Carlos Nelson, que se dedicou aos temas crescimento das metrópoles e urbanização das favelas. Em 2004, Nuno Portas recebeu a Grã-Cruz de Ordem do Infante D. Henrique, pela prestação de relevantes serviços a Portugal.
No Rio de Janeiro, Nuno Portas desenvolveu com o catalão Oriol Bohigas, entre os anos 1995 e 2000, os planos de Frente de Mar e Estação das Barcas, e de Recuperação da Zona Central, que previam intervenções na orla desde o Aeroporto Santos Dumont à Igreja da Candelária. Na entrevista, Portas relembra o projeto e critica a arquitetura do espetáculo. Ele também diz esperar que a crise econômica dê um novo rumo ao urbanismo.
O senhor veio ao Brasil para participar do seminário “Carlos Nelson abre as portas a Nuno”. Como era sua relação com o arquiteto Carlos Nelson?
Nunca fizemos trabalho em conjunto, mas tivemos uma amizade por muito tempo, desde 1964 até quase a morte dele (1989). Sempre o acompanhei, o convidei a ir a Lisboa, além de muitas reuniões que tivemos aqui no Brasil. Depois, a certa altura, já era mais difícil nos encontrarmos. Apenas quando eu vinha aqui a convite do então prefeito Luiz Paulo Conde. Quando ele estava no projeto de Brás de Pina (plano urbanístico e habitacional para a favela), ia me contando como estava fazendo. Mais tarde quando vi o trabalho feito, achei que era uma experiência essencial. Todos os arquitetos deveriam entendê-lo. A essa altura, eu não fazia mais projetos de arquitetura, estava dedicado ao ensino e estava no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), onde desenvolvi, por muitos anos, trabalhos sobre a teoria da arquitetura e do urbanismo.
O senhor fez o Plano de Recuperação da Zona Central, na década de 1990, na época da administração de Conde. O que esse projeto previa?
Sim, fiz esse projeto, mas depois ele não foi aproveitado. A parte central ainda foi feita, mas resolveram fazer um túnel de forma muito diferente. Agora não sei como está a zona portuária, visitei muito rapidamente. Gostava da solução que eu e o Bohigas tínhamos. Com os Jogos Olímpicos, decidiram colocar tudo para baixo, no subterrâneo. Não sei o que acontece se houver uma enchente ali. No meu plano, também não estavam previstos os museus. Essas mudanças nos projetos são normais, sobretudo, no urbanismo, com as mudanças políticas, as oportunidades que surgem como as Olimpíadas. Em nosso projeto, usávamos a Perimetral para os carros. Embaixo do viaduto, havia espaço para os bares e música. Na minha opinião, não tem havido grandes novidades no Rio de Janeiro.
Por quê? O que precisaria ser feito?
Agora eu sei menos do que sabia. Quando estive nessa região há alguns anos, tinha a impressão de que sabia o que acertar. Acho que continua sendo melhorar e melhorar as condições das favelas, que é melhor do que construir arranha-céus para as pessoas ricas e expulsar os moradores mais carentes. Mas isso já não se faz. Foi um sonho de alguns anos atrás.
No Brasil, desde 2008, temos a Lei de Assistência Técnica (Lei 11.888), que prevê assistência técnica pública e gratuita às famílias de baixa renda para o projeto e a construção de suas casas, mas ela não tem sido colocada em prática. Como ampliar a aplicação dessa lei?
É preciso que os arquitetos e urbanistas estejam bem treinados, não se voltem só para grandes arquiteturas. Estamos numa fase muito mais simples, ao contrário do que tem acontecido nos últimos anos. Pode ser que, com essas crises econômicas em todo o mundo, essas loucuras diminuam. Estamos em um momento em que ninguém sabe muito bem para onde vamos. Não só aqui, mas na Europa também. É natural que eu esteja desanimado com o urbanismo na minha idade. Pode ser que os jovens não estejam. Pode ser que com a crise apareçam novas ideias.
O senhor foi professor muitos anos. Como deve ser o ensino da arquitetura e urbanismo?
Já não sou professor há mais de dez anos, mas continuei me dedicando às pesquisas. O urbanismo é cada vez mais uma atividade que não se resolve nos arquitetos, nos paisagistas, nos juristas ou nos economistas, mas que se resolve juntando-os e fazendo um trabalho sério de formação. O urbanismo não é uma visão de apenas uma profissão. Isso que eu tenho tentado fazer em vários níveis, nos governos, nos municípios, e é indiferente se estamos no Brasil ou em Portugal. Os municípios precisam de urbanistas. E, atualmente, as escolas não dão a maior importância aos urbanistas. Há uma ideia que coisas extraordinárias se fazem na arquitetura e não no urbanismo.