O Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) divulgou, recentemente, o laudo preliminar sobre a queda de um trecho da ciclovia Tim Maia, no dia 21 de abril. Segundo os peritos, foi feito estudo sobre o impacto das ondas sobre os pilares, mas não sobre a plataforma. O projeto não teria previsto o impacto das ondas na plataforma de baixo para cima.
Se essa informação for comprovada, mostrará mais uma vez, e infelizmente a partir de uma tragédia, a necessidade do projeto completo para as obras públicas e a importância de se discutir a forma como são contratadas as empresas que as executam. A busca pelos erros que levaram à morte duas pessoas e apontaram mais uma vez, de forma negativa, os holofotes da imprensa nacional e internacional para nossa cidade deve ir além da identificação e punição dos culpados.
No caso da ciclovia Tim Maia, o consórcio Contemat/Concrejato foi contratado por licitação do tipo menor preço a partir do projeto básico fornecido pela prefeitura do Rio, por meio da fundação Geo-Rio. O projeto executivo e a execução da obra ficariam, portanto, a cargo da empresa.
A Lei de Licitações (8.666/1993) permite a contratação das obras públicas a partir de projetos básicos. Isso significa que a empresa será contratada com base em diretrizes simplificadas da obra. Pontos como a especificação dos materiais, o detalhamento das técnicas e da construção, as sutilezas do terreno somente constarão no chamado projeto executivo.
É um equívoco acreditar que o tempo dedicado ao projeto executivo represente um atraso ou um entrave burocrático ao andamento de obras. O tempo maior para a realização dessa fase é compensado porque o projeto executivo acelera a execução das obras, ao evitar surpresas e oferece maior precisão sobre os custos, por exemplo. O que aconteceu na ciclovia, quaisquer que sejam os culpados, mostra a necessidade de se valorizar a fase de planejamento e desmistificar entre a população a falsa ideia de que uma obra está em andamento apenas quando a construção começa.
Outro modelo que tem sido adotado para a contratação de obras públicas é o Regime Diferenciado de Contratação (RDC), instituído pela Lei 12.462, de 2011, com o objetivo de dar celeridade às obras da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Uma das modalidades do RDC é a contratação integrada, combatida pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). Por meio dela, a administração pública delega o planejamento, desenvolvimento e execução da obra a uma única empresa, que fica responsável, dessa forma, por todas as etapas, do projeto básico até a entrega final!
A cultura da urgência que parece vigorar atualmente, ou por motivos políticos ou por causa de falhas no planejamento, faz então com que o projeto, etapa fundamental de obras, seja negligenciado ou elaborado às pressas, comprometendo a qualidade das edificações e das intervenções urbanas e, consequentemente, a segurança da população.
O CAU defende a revisão da Lei das Licitações, para que seja incluída a exigência do projeto completo antes da contratação da obra, a obrigatoriedade de concurso público para a contratação do projeto completo, e para que seja vedada a contratação integrada. Entendemos que o poder público só deva contratar a partir do projeto completo.
Não é correto que projetos sejam elaborados paralelamente ao andamento de obras ou que as construções sejam levadas adiante com base em estudos preliminares. E como assegurar a salutar fiscalização cruzada entre o autor do projeto e o executor da obra, se a responsabilidade por ambos é atribuída à mesma empresa?
O acidente ressaltou outro ponto que parece equivocado na concepção da ciclovia. Uma intervenção urbanística desse porte, que interfere na orla do Rio, precisaria ter sido precedida de amplo debate, com a participação de arquitetos e urbanistas, da sociedade. É um exemplo da importância do concurso público como forma de controle social. Um projeto assim deve estar inserido em um plano de mobilidade urbana mais amplo; levar em consideração as características ambientais e sua relação com a paisagem, ainda mais quando se trata de uma área tombada. Interferir nesse cenário, mexer em sua harmonia, somente com muito planejamento, sem açodamento.
Sem a preocupação com a intervenção urbanística, sem o projeto executivo, sem planejamento bem feito, ideias equivocadas vão à frente, obras atrasam, dinheiro público é desperdiçado, equipamentos urbanos são entregues sem qualidade e a segurança da população é ameaçada. É preciso ter mais respeito e responsabilidade com nossas cidades.
Jerônimo de Moraes é arquiteto e urbanista, presidente do CAU/RJ