Continuar desenvolvendo projetos talvez seja um dos segredos da vitalidade do arquiteto e urbanista Marcos Konder, de 87 anos. Do quintal de sua casa em Santa Teresa, um belo casarão de traços modernos projetado por ele, Konder observa uma de suas mais recentes obras, a creche Sarita Konder, construída em homenagem à esposa, que era professora e faleceu há cerca de oito anos. Recentemente, o catarinense de Blumenau projetou um memorial para a cidade de Itajaí, onde sua família alemã desembarcou ao chegar no Brasil.
Ao longo de sua carreira, Marcos Konder trabalhou com nomes como Affonso Eduardo Reidy e Sérgio Bernardes; foi funcionário público, tendo projetado o prédio da prefeitura do Rio (Centro Administrativo São Sebastião); professor da FAU/UFRJ e “concurseiro”. Participou de mais de 60 concursos, sendo um dos principais o que resultou na construção do Monumento aos Mortos da 2ª Guerra Mundial, no Parque do Flamengo. Com apenas 29 anos, venceu a disputa com arquitetos de todo o país com o projeto que impressionou até mesmo Le Corbusier, em uma de suas visitas ao Brasil.
Além do Monumento Aos Pracinhas, como popularmente é chamado, Konder também é autor do projeto original do restaurante Rio’s, e brinca que é um dos arquitetos com mais obras no Parque do Flamengo. Por ocasião dos 50 anos do parque, ele conversou com o CAU/RJ sobre os impactos dessa construção e a evolução da arquitetura ao longo do tempo. “As necessidades das pessoas vão evoluindo e a arquitetura deve corresponder à época, acompanhar a tecnologia e a sociologia”, diz ele.
O senhor poderia falar um pouco sobre as características do Parque do Flamengo? Por que foi algo tão polêmico?
Quando o Aterro foi feito, ainda antes do projeto urbanístico, alguns engenheiros propuseram que fossem construídas quatro pistas para automóveis. Quando chegava na Glória, havia um emaranhado de elevados. O [Affonso Eduardo] Reidy simplificou tudo: fez somente duas pistas e o Aterro se inseriu na cidade de uma maneira natural. Foi um período muito criativo. O projeto paisagístico do parque foi feito pelo Burle Marx. Ele renovou o paisagismo no Brasil, que até então seguia a escola francesa. Burle Marx introduziu um jardim mais tropical, mais adaptado a nossa fauna e flora, mais curvilíneo. Já a Lota [de Macedo Soares], embora não fosse arquiteta, foi a idealizadora do Parque e comandou o grupo com pulso firme, defendeu a ideia dela com unhas e dentes.
Eu não participei do projeto do Parque, mas também dei meus palpites. Fizeram um tanque para barquinhos, com inspiração londrina. Eu falei para o Reidy que brasileiro gosta é de futebol, que ele tinha que fazer campos de futebol. Tinha uma construção redonda para aeromodelismo. Ninguém usa. Brasileiro não tem esses hábitos. Ficou aquele retângulo e não foi transformado em outra coisa, numa quadra de vôlei, por exemplo.
Qual sua visão sobre o Parque do Flamengo hoje?
O Parque foi uma grande conquista para o Rio de Janeiro, é um pulmão para a cidade. Nos domingos vão famílias para lá passear, jogar bola, ir na praia. Mas o Parque está precisando de cuidado, tem muita coisa que está fenecendo.
Como foi trabalhar com Affonso Eduardo Reidy? Como ele influenciou seu trabalho?
Eu trabalhei um ano, logo que me formei, com o Sérgio Bernardes. Depois o Reidy convidou a mim e o Hélio Marinho para trabalhar com ele quando ele era diretor do Departamento de Urbanismo. O Reidy era um arquiteto da geração de Oscar Niemeyer. Ele era muito sério, educado, fazia jus ao nome inglês. Fez obras muito boas: o MAM, os pavilhões do Aterro, o conjunto habitacional Marques de São Vicente, o Pedregulho. Uma pena que tenha morrido tão jovem.
O Monumento aos Mortos da II Guerra Mundial é um dos seus principais trabalhos. Como surgiu a ideia para esse projeto?
O monumento foi objeto de um concurso público em 1956 de âmbito nacional, no qual concorreram 36 arquitetos. O concurso, organizado pelo Marechal Mascarenhas de Mores, com o aval do IAB, foi feito em duas etapas. Na primeira, apresentávamos um estudo preliminar. A comissão julgadora escolheu cinco projetos para uma segunda etapa mais elaborada, com maquete e etc., e o nosso foi o vencedor. Era uma comissão de repatriamento dos mortos que estavam enterrados em Pistoia, na Itália. Em 1960, o monumento foi inaugurado.
Quando saiu o edital, eu era funcionário do estado, mas tinha um escritório de arquitetura independente. Sempre gostei muito de fazer concurso. Fiz mais de 60. E esse era a oportunidade de ter uma obra espetacular, construída no coração do Rio de Janeiro. Comecei a estudar o edital e tive algumas ideias, mas já estava em cima da hora de entregar o trabalho. Como não ia conseguir terminar sozinho, convidei o colega Hélio Marinho para colaborar comigo.
A localização do monumento tem alguma razão especial?
Quando o Aterro foi projetado, o Ministério da Guerra pediu que fosse estipulada uma área para a construção do Monumento. Foi determinada uma área de 100×100 m que é ali onde o Monumento está.
Que aspectos do Monumento o senhor destaca?
Pensei em uma plataforma em L porque queria um monumento leve, não queria um bloco. Pensei também que deveria haver um ponto particular. No edital, pediam um túmulo do soldado desconhecido e me lembrei do Arco do Triunfo, em Paris. Por analogia, achei que deveria haver algo vertical cobrindo o túmulo, que pudesse ser visto de longe, da entrada da cidade. Tive a ideia de fazer dois pilares altos e um arco ao contrário porque a técnica do concreto armado permite essas ousadias, fazer algo quase solto no ar. Colocamos o túmulo do soldado desconhecido em cima de uma plataforma elevada que funciona como mirante para a Baía de Guanabara, resgatando o que havia no Passeio Público, com uma escadaria para dar uma certa solenidade. Há ainda um museu no térreo e um marco triangular no chão com o nome das autoridades e de participantes do concurso.
No edital também pediam homenagens ao Exército (Feb), à Aeronáutica (Fab) e à Marinha de Guerra e Mercante. A estátua do Alfredo Ceschiati representa as três forças armadas. Nas paredes do mausoléu, no subsolo, há dois painéis do Anísio Medeiros, um homenageando a Marinha de Guerra e outro, a Marinha Mercante. No mausoléu, pequenas placas de mármore identificam as urnas com os restos mortais que estavam em Pistoia. Em cima da plataforma em L, o Júlio Catteli Filho fez uma escultura abstrata que lembra um avião em homenagem à aeronáutica. O monumento foi uma obra pioneira no uso do concreto aparente, uma ideia lançada pelo Le Corbusier.
É verdade que o Le Corbusier aprovou o monumento?
Em sua última viagem ao Brasil, iam levar o Le Corbusier para visitar o Museu de Arte Moderna e uma obra do Sérgio Bernardes no Leblon, mas quando ele passou
de carro pelo Monumento, pediu para visitar. Ele gostou muito e disse para o Lúcio Costa que queria me conhecer. Quando viajou, deixou uma carta em que dizia que, além de Brasília, duas obras o tinham impressionado muito: o MAM e o Monumento aos Mortos da 2ª Guerra Mundial.
Le Corbusier e outros arquitetos modernistas tiveram grande influência na sua carreira? Em que momento suas referências mudaram?
Eu fui da segunda geração dos modernistas, que consolidou a arquitetura moderna no Brasil. Mas não gosto do termo modernista porque parece um modismo. Nós éramos a favor da arquitetura moderna, adaptada a nossa época, aos materiais, à técnica e à maneira de viver de então. O Le Corbusier era nosso papa. O Lúcio Costa dizia que os álbuns do Le Corbusier eram nosso livro sagrado. No entanto, a arquitetura moderna do Le Corbusier e outros arquitetos europeus radicados nos Estados Unidos como [Ludwig] Mies van der Rohe, [Walter] Gropius, é muito rígida, com muitos retângulos, muito certinha. Então comecei a me aproximar de outras fontes: do arquiteto Frank Lloyd Wright, que tinha uma arquitetura muito criativa, diferente; do Alvar Aalto, um arquiteto finlandês que fazia uma arquitetura menos amarrada. Eu me entusiasmei por essas ideias e isso, de certa forma, me influenciou.
O projeto do restaurante Rio´s no Parque do Flamengo também é de sua autoria. Como foi a sua concepção?
O Rio’s eu fiz como funcionário da prefeitura. Um dia o então prefeito Marcos Tamoio me telefonou e, como eu tinha feito o Monumento 20 anos antes, me chamou para projetar o restaurante, que estava previsto no projeto do Parque. Fiz o restaurante um pouco elevado do chão com taludes e fiz quatro cúpulas, uma grande para um salão de banquete e três menores para restaurante. A cozinha fica no subsolo. A vista dali é muito bonita. Mas agora já fizeram muitas modificações no projeto. No começo cheguei a ser consultado, depois, não mais.