A atual crise energética e as altas temperaturas registradas no Rio de Janeiro colocam em evidência um tema estudado pelo professor Richard de Dear há 34 anos: o conforto térmico. Diretor do departamento de Arquitetura da Universidade de Sydney e considerado um dos maiores especialistas no assunto, ele está no Brasil para uma série de palestras em Santa Catarina (23), São Paulo (25) e no Rio, onde faz uma apresentação gratuita dia 27, na sede do IAB/RJ.
Em entrevista ao CAU/RJ, de Dear falou sobre as melhores estratégias projetuais para diminuir o consumo de energia das edificações, como a ventilação natural e proteção solar adequada, destacando as obras de João Filgueiras Lima, o Lelé.
A pesquisa coordenada por de Dear e desenvolvida pela American Society of Heating and Air Conditioning Engineers’ (ASHRAE) introduziu o chamado modelo adaptativo às normas técnicas americanas e inspirou padrões adotados em países como Japão, Índia e China. No Brasil, o estudo serviu de base para a NBR 16401-2 da ABNT, ainda não publicada.
Confira a entrevista:
CAU/RJ: Que medidas os arquitetos e urbanistas podem tomar para melhorar o conforto térmico em um estado como o Rio de Janeiro, que registra altas temperaturas, em meio a uma crise de energia e levando em conta a sustentabilidade?
De Dear: No clima quente e úmido, como o do Rio de Janeiro, as melhores estratégias bioclimáticas são duas: ventilação natural e proteção solar. Essas duas estratégias podem ser implementadas de formas passivas e, como consequência, diminuir o consumo de energia nas edificações. Arquitetos podem contribuir muito para a implementação de tais estratégias bioclimáticas, se considerarem adequadamente a orientação, exposição aos ventos predominantes, correta proteção da fachada contra a radiação solar excessiva, entre outros itens na fase inicial do projeto. Em edificações em que o uso da ventilação natural não é viável, o aumento do movimento do ar pode ser obtido pelo uso de ventiladores e outras estratégias de ventilação mecânica, de preferência controladas pelos usuários, incluindo personal control systems. Independentemente da estratégia de ventilação adotada, toda e qualquer fachada deve ser protegida da radiação solar intensa encontrada nos trópicos. Novamente, a correta orientação da edificação e sistemas de proteção solar (beirais, brises etc) devem ser considerados na fase inicial do projeto. A ventilação e a proteção solar também devem ser consideradas em fases posteriores do processo projetual, quando o detalhamento das aberturas, a correta especificação dos materiais e uso de ferramentas de simulação podem auxiliar no refinamento das estratégias concebidas na fase inicial do projeto.
CAU/RJ: O senhor pode citar exemplos de projetos que possam ser aplicados ao clima do Rio de Janeiro?
De Dear: A arquitetura brasileira é muito rica em exemplos interessantes do uso das estratégias bioclimáticas em climas quentes e úmidos, como nos projetos do Lelé, por exemplo. Olhando para o contexto australiano, as casas encontradas nas regiões quentes e úmidas, chamadas Queenslanders, são exemplo da arquitetura vernacular adaptada ao clima tropical. Essas casas usam uma estrutura leve como envoltório, privilegiam o uso da ventilação natural por aberturas generosas que aproveitam a ventilação cruzada e são bem sombreadas e protegidas da radiação solar excessiva.
CAU/RJ: Qual é a importância de se avaliar o conforto térmico em residências?
De Dear: Centenas de pesquisas de campo relacionadas ao conforto térmico foram conduzidas no mundo inteiro. Apesar de tamanha extensão, apenas uma pequena parcela desses estudos foi realizada em ambientes residenciais. Isto porque o custo financeiro de tais experimentos é demasiadamente maior quando comparado ao de experimentos realizados em edifícios de escritórios e escolas, onde a maior parte dos dados existentes foi coletada. Como resultado, o pressuposto de que o conforto térmico ocorrerá da mesma forma tanto em ambientes de escritórios, como também em ambientes educacionais e residenciais, segue ainda não comprovado. Essa lacuna precisa ser preenchida para entender melhor, por exemplo, como o conforto térmico influencia as decisões dos usuários no contexto residencial. Dados de pesquisa desse tipo podem, por exemplo, informar como, quando e onde sistemas de ar-condicionado são utilizados no mercado residencial no Brasil e em outros países. Os resultados de pesquisas nessa área podem contribuir, entre outras aplicações, para o entendimento do uso de energia no setor residencial.
CAU/RJ: Sua obra Adaptive model of thermal comfort (Modelo adaptativo de conforto térmico) influenciou os padrões de conforto térmico adotados pela American Society of Heating, Refrigerating and Air Conditioning Engineers’ nos Estados Unidos e em outros países. O que ainda precisa ser mudado?
De Dear: Uma das lacunas ainda existentes é o uso prático das informações e recomendações existentes nos padrões do processo projetual. Arquitetos e designers em geral podem, e muito, contribuir para o uso racional de energia em edificações sem, no entanto, ter um impacto negativo no conforto térmico dos usuários.
Serviço
Palestra Novos Métodos de Pesquisa Comportamental Ligados ao Conforto Térmico e Condicionamento Artificial em Ambientes Residenciais
Sede do IAB-RJ: Rua do Pinheiro, 10, Flamengo, Rio de Janeiro.
Dia 27, às 10h.
Entrada franca