O “modernismo arquitetônico” brasileiro é bastante pesquisado pelos críticos especializados, sendo seu nascimento identificado em obras, como o edifício da Associação Brasileira de Imprensa – dos Irmãos Roberto – e o incontestável ícone: o Palácio Capanema (ex-Ministério da Educação e Saúde) de Lúcio Costa, ambos nos anos de 1930.
Estabelecia-se, assim, o modernismo diante do aparente esgotado Ecletismo. Negando-se, porém, rompimentos bruscos, onde seria possível identificar a transição? Nas manifestações do Art-Deco desde os anos 1920? Na ousada marquise do Jockey Clube ou nas sóbrias linhas da igreja de Santa Teresinha – obras do injustiçado Arquimedes Memória?
São Paulo, que já fora palco do movimento de 1922, liderado por Mário de Andrade, também revelou obras e arquitetos notáveis, onde Villanova Artigas passou a disputar com Oscar Niemeyer o cetro do vanguardismo. O espectro do movimento alargou-se com as obras mineiras de Niemeyer – fomentadas por Juscelino Kubistchek. Quase a seguir, o nascimento de Brasília (1960) ampliou e cristalizou um acervo abrangente de quase 40 anos.
Apenas esboçando um paralelismo cronológico entre consagradas correntes da arquitetura, cabe observar que a ascensão e o destaque mundial do modernismo brasileiro coincidem com o cruel período entre as guerras que assolaram o mundo (1914-18 e 1939-45), arrasando boa parte da Europa e trazendo os Estados Unidos como o grande protagonista mundial, parâmetro e suporte econômico das nações.
Assim, durante os anos de 1950, os principais países europeus erguiam-se exauridos do conflito e os Estados Unidos ainda viviam problemas de beligerância no oriente. Interesses políticos e econômicos, além da curiosidade acerca da ascensão brasileira – diversidade étnica –, alimentaram o processo de uma “redescoberta” do Brasil, dono de território amplo e dadivoso, e de sua arte, não mobilizando apenas os estrangeiros. E o “território” arquitetônico desvendou-se, amplo e dadivoso, onde tudo era favorável à recriação e à experimentação artística em particular da arquitetura.
Na primeira metade do século XX, grandes nomes da arquitetura modernista nos visitaram, como Le Corbusier, Frank Lloyd Wright e Walter Groppius, intrigados com nossa produção (ou nela interessados). O primeiro deixou seu nome ligado ao movimento – mais fortemente ao Palácio Capanema, com participação mais reivindicada do que reconhecida por seus autores.
Proliferam, então, revistas especializadas divulgando obras e respectivos autores. O paisagismo é redescoberto na obra de Burle Marx. Experimentos com a arquitetura de cunho social empolgam profissionais e governantes. Teria sido a época dourada de sonhos e propostas revolucionárias. O ápice da febre criativa aparentemente foi Brasília, a partir da qual restaram apenas esgotamento, marasmo e a onipresença de Oscar Niemeyer – entrave para alguns, para outros, a derradeira glória. O legado de Oscar – que jamais abandonou um pódio a ser dividido com Vilanova Artigas – teria ficado com João Filgueiras Lima, o Lelé (recentemente falecido).
Um importante trabalho realizado pela seção fluminense do Instituto de Arquitetos do Brasil nos anos de 1970, “Arquitetura Brasileira após Brasília”, indagava os caminhos que a nossa produção arquitetônica teria assumido através de um grande inquérito nacional, que fora respondido por expressivos nomes daquela área. De qualquer modo, sabíamos que o mundo da arquitetura já não voltava os olhos para a produção brasileira e que esta vivia um impasse entre abandonar a linguagem do concreto – já alcançada além dele face às extraordinárias possibilidades oferecidas pelas técnicas da protensão – ao experimentar o que se denominou brutalismo (e logo com outros rótulos do pós-modernismo e as ousadias antigravitacionais do desconstrutivismo).
No bojo de tais movimentos, o uso do aço é retomado com vigor sem que a arquitetura brasileira mostrasse assumir esta tecnologia de modo a que o material protagonizasse a forma. É o que se registra na importante obra de Hugo Segawa sobre o “pós-modernismo” arquitetônico brasileiro (EDUSP – 1999). Sem o brilho das “barricadas”, a produção nacional teria, finalmente, ultrapassado o regionalismo dos primeiros movimentos citados como expressões do modernismo.
Vale registrar: o acervo, além de não mais se concentrar no Rio de Janeiro, aparenta certa exaustão de experimentos.
Encarando agora a atualidade brasileira, onde encontraremos o ponto de inflexão entre o exaurido movimento moderno, o chamado pós-modernismo e seus desdobramentos na arquitetura?
Um eco talvez do reconhecimento mundial à importância de nossos profissionais, o Pritzker – o grande prêmio mundial de arquitetura de 2006 – foi para as mãos do paulista Paulo Mendes da Rocha. Não fosse este justo reconhecimento, estaria diluída (ou sumida) a presença verde e amarela nas paradas arquitetônicas da atualidade.
Onde podemos encontrar e classificar uma produção arquitetônica “brasileira”? A resposta talvez seja a inevitável presença dos superequipados escritórios internacionais.
Nos dias de hoje, o trono é ocupado pelas obras explicitamente reconhecidas – e polemizadas – de autores como Potzamparc, Siza e Calatrava, que lideram elencos nos quais nomes de importantes arquitetos brasileiros brilham ao desenvolver e adaptar aquelas obras, à nossa legislação. Cabe indagar se vivemos uma época de limitações tecnológicas ou de mídias precárias.
Sem o espaço exigido para respostas ou argumentações, as imagens que acompanham este texto – que jamais esgotariam informações concretas ou definitivas – poderão ser avaliadas apenas como parte de um grande elenco de obras que levou o Brasil ao destaque no movimento modernista. Será possível detectar manifestações que remeteriam a esta ou aquela corrente, aproximando ou afastando exemplares do racionalismo e do organicismo com os de outras terras, reconhecendo ser difícil ter um quadro completo ou de aceitação unânime.
Mesmo assim, menos como reforço às afirmações aqui expressas e mais como ilustração para novas avaliações, expomos algumas imagens, sem pretensão didática, visando mobilizar a imaginação dos que se debruçam sobre a arquitetura como produto e testemunho cultural de uma sociedade, em determinado período.
As obras selecionadas tentam espelhar, de forma limitada, o que se expõe no texto, concentradas na produção carioca e, por razões óbvias (consideradas um ápice), em paradigmas de Brasília.