A Região Metropolitana do Rio de Janeiro, assim como a cidade, tornou-se imenso canteiro de obras, muitas até então postergadas por razões diversas. A mais lamentável destas razões, recusando a má-fé e a incompetência, seria a falta de um planejamento integrado. Desde a destruição do “cinturão cítrico” fluminense, passando pelas intervenções na baixada na era getulista, as carências regionais (moradia, saúde e transporte), tratadas de forma setorizada, não mostram resultados compatíveis com o grau de desenvolvimento atingido pelo país. E sequer é possível atribuir isto a adversidades regionais, tal a pujança do território fluminense, com condições climáticas e variações favoráveis aos assentamentos humanos. O descuido com sua rede de mobilidade – destacando a atrofia ferroviária e o desmazelo com o modal rodoviário – afetou a qualidade de vida de sua população, penalizando, como sempre, as camadas de renda mais baixa.
Focos regionais da estrutura econômica, como o Polo Petroquímico de Itaboraí e o Porto de Itaguaí, aqui destacados pelas posições quase equidistantes em relação ao município sede, induzem um pesado fluxo entre eles, um atormentado corredor de circulação de habitantes e produtos saturando a precária rede interior existente. A solução, hoje conhecida como o Arco Metropolitano, já fora preconizada há quase meio século (1964) batizada de “arco ferroviário”, recorrendo a este modal. Nos anos de 1970 voltou a ser cogitada, evoluindo pouco, embora contasse com recursos e apoio do então governo central interessado na implantação da usina atômica de Angra dos Reis – projeto polêmico, cujos riscos e resultados jamais ficaram claros para a opinião pública.
Em nossos dias, retomado o projeto, avançam as obras do Arco Metropolitano cruzando oito municípios, utilizando e reaparelhando vias existentes, como as BR 493 e BR 116, a partir de Itaboraí, e completando o traçado (que contorna o fundo da baía de Guanabara) com 146 km, até Itaguaí (Porto de Sepetiba). Utilizando recursos do PAC, cabe ao Estado um trecho de 70 km.
O RIMA (Relatório de Impacto do Meio Ambiente) do Projeto de Implantação do Arco, elaborado pelo Consórcio que o projetou, declara:
“A concepção do Arco Metropolitano tem como principal finalidade de fazer a conexão rodoviária entre a BR-101/NORTE e a BR-101/SUL sem que haja a necessidade de trânsito pelas vias urbanas da Região Metropolitana, como a Avenida Brasil. Para tal ligação serão utilizadas, além do trecho correspondente à RJ-109, as BR-493 (Magé – Manilha) e um trecho da BR-116/NORTE…”. A seguir, enumera os segmentos que compõem o Arco. A tônica da descrição está no aspecto rodoviário.
Sob a supervisão da Subsecretaria de Urbanismo da Secretaria de Estado de Obras, o Plano do Arco foi elaborado por consórcio de grandes empresas (Tecnoloso, Arcadis-Tetraplan), com patrocínio do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento. Segundo os autores do Plano, os diferentes aspectos, sociais, ambientais e técnicos das ações foram contemplados, gerando, a partir das avaliações, propostas de diretrizes e linhas de ação para o sucesso do Plano.
Do “Resumo do Plano Diretor Integrado do Arco Metropolitano”, datado de 23/10/2012 e de autoria do consultor Ricardo D. Pontual, extraímos alguns pontos abordados no projeto em seus aspectos macro, suas intenções e possíveis consequências.
Uma das recomendações é a “compatibilização dos Planos Diretores Municipais” com vistas ao desenvolvimento racional da região afetada pelo projeto. Em “Diretrizes e Estratégias” manifestam-se os cuidados com a ocupação das faixas lindeiras do Arco, sugerindo nelas fortalecer o caráter de uso misto, reduzindo o uso residencial e impedindo a formação de núcleos de ocupação irregular. Abre a questão do uso do transporte aquaviário ao abordar a foz do rio São João de Meriti, destacando os 40 km de “litoral subaproveitado”. Menciona também os “vazios urbanos e as áreas adensáveis” para “…racionalizar o processo de expansão urbana” e “…os mecanismos de controle e desenvolvimento”. No capítulo “Desenvolvimento Econômico e Social”, sugere que o Arco signifique o “…adensamento da estrutura produtiva…” e uma retomada de liderança na indústria naval. No capítulo final do resumo, (4.4. Governança) o autor explicita: “Criação de um órgão responsável pelo planejamento e coordenação das ações de apoio ao desenvolvimento metropolitano…”, e encerra recomendando “Apoiar os municípios na implementação das medidas no Estatuto da Cidade…”.
Um quadro complementa o trabalho ao mostrar a projeção para 2030 do crescimento da população da Região Metropolitana em confronto com a população na Região do Arco (9,7 milhões em 2010 contra 10,7 milhões em 2030).
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Como era de esperar, as obras encontraram muitos tropeços como os sítios arqueológicos que, uma vez atingidos impunham a interrupção da obra para os levantamentos, preservação e registros dos testemunhos encontrados. Outras medidas ainda são exigidas em decorrência do traçado estar inserido no Bioma da Mata Atlântica. Dificuldades que já fazem parte do cotidiano dos planejadores. O que mais causa espanto aos cidadãos – atingidos pelas obras e seus resultados – é que os trabalhos foram iniciados em 2008 e os embargos diante dos sítios arqueológicos datam de 2009. Dos primeiros 22 encontrados, o número passou a 62 em 2012.
Um trabalho crítico acerca da obra é a monografia de Jorge Bastos Furnen (O PROJETO DO ARCO METROPOLITANO E SUA INFLUÊNCIA NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO – Universidade Cândido Mendes – Rio de Janeiro/2010).
A abordagem ambientalista, longe de ser parcial, confronta resultados e consequências de forma lógica. Ao focar o histórico “rodoviarismo”, o autor aponta a débil ligação do projeto com o Plano Diretor Regional. Ressalta uma preocupação dos profissionais: a inversão das fases de contratação da obra, com sacrifício de um detalhamento do projeto. Menciona ainda o questionamento do poder legislativo relativo ao plano e seus objetivos, apontando a favelização das áreas rasgadas pelo Arco, decorrente de um “tratamento inadequado” na sua implantação.
Na conclusão da monografia, fica evidente o desagrado com as consequências nefastas para o meio ambiente.
Outro trabalho que traz uma especial luz crítica sobre o projeto é “O ARCO METROPOLITANO DO RIO DE JANEIRO – Integração e fragmentação da paisagem metropolitana e dos sistemas de espaços livres de edificações”, (Edição PROARQ DA FAU/UFRJ -2012) de Vera Tângari, Andrea Queiroz Rego e Rita de Cássia Martins Montezuma (Organizadores) e diversos autores. Os temas abordam as consequências provocadas pelo projeto e fornecem sinalizações aos planejadores. Ainda que o viés seja fortemente ambientalista, há uma atenta avaliação do conjunto e suas consequências.
Encarada a obra como um possível limite à expansão urbana do estado, uma vez revalorizadas as áreas urbanas tradicionais, os autores admitem que seriam qualificadas as Unidades de Paisagem vinculadas ao Arco expostas no trabalho.
Em outra abordagem (Projeções Urbanas), os autores indagam como “sincronizar as ações metropolitanas (o evento do arco) com as dinâmicas locais (o projeto urbano “possível”)”. O papel do Arco como elo entre os polos de Itaboraí e o porto de Itaguaí estabelece uma “lógica supralocal”, fazendo de suporte o território de passagem (a baixada fluminense) – lógica que fragmentou, em alguns casos, o tecido urbano. A decisão de realizar a ampla ligação, admitida irreversível, terá que contemplar os pontos de conexão da via com os municípios afetados, de modo a torná-los espaços urbanos qualificados e não meros corredores para suporte físico. É preocupante constatar o elevado número de favelas que cercam as principais indústrias implantadas na região (cerca de 200). Chama a atenção do leitor a proposta de aplicação do modelo SLEUTH (acrônimo resultante das iniciais, em inglês, dos aspectos avaliados na metodologia) que aborda a simulação do desordenado crescimento de núcleos urbanos, resultando em possíveis conurbações. Em resumo, salienta o concreto papel da obra na dinâmica regional e consequências capazes de empanar sua importância.
Outros trabalhos manifestam, com maior ou menor profundidade, a preocupação relativa à obra que se reveste de caráter essencial para os destinos do estado. Restaria questionar por que um projeto de tal importância, concebido há meio século e que teve as obras iniciadas há dez anos, ainda não responde de forma convincente a seus críticos.
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A parceria assumida pelo poder público com a iniciativa privada, visando investimentos desenvolvimentistas, estabelece premissas que não podem ser encaradas com surpresa. Planos e projetos geram obras, consequentemente, circulação de capital. A expectativa de geração de empregos e sua qualificação em diferentes níveis, porém, obscurecem as avaliações e os resultados nem sempre são positivos ou convergentes com expectativas sociais. Vale lembrar que o mercado da construção civil foi o maior gerador de emprego no Rio de Janeiro dos anos 1950-60, e isto não significou um melhor padrão de renda do segmento – do servente ao arquiteto.
No caso do Arco Metropolitano, ao fazer uma avaliação global é difícil entender porque um projeto crucial para o estado e para a economia do país arrasta-se ao longo dos anos e apresenta-se truncado em suas partes. A mais grave crítica feita por arquitetos e urbanistas diz respeito à elementar ausência de projetos detalhados (etapas sempre sacrificadas em projetos políticos), o que resulta em orçamentos inconsistentes, porta aberta para o fracasso, a paralisação de obras e sua deterioração.
Cronogramas encurtados ou interrompidos, para ajustar-se artificialmente aos mandatos políticos, levam ao desastre e à desatualização dos orçamentos, provocando ou induzindo às suspeitas de corrupção, absurdo e constante pesadelo da sociedade brasileira.
Neste espaço do Boletim do CAU/RJ tratamos de temas que vêm formando verdadeiro continuum – desde os assentamentos inadequados à mobilidade dos habitantes, à improvisação de obras e a ausência de projetos consistentes em seus desenvolvimento e detalhamento, fatores que afetam orçamentos e, sobretudo, a credibilidade das iniciativas públicas.
Aparentemente, no caso do Arco Metropolitano, além das imperfeições na forma de desdobrar planos, orçar e licitar, parece ressentir-se o projeto de uma modelagem global articulada para otimizar resultados, evitando-se o descompasso: sucesso em alguns municípios e desastre em outros. Críticas e avaliações parecem convergir para a urgente necessidade de um órgão “supra-municipal” capaz de realizar e articular de forma pragmática tais políticas.
Acima de tudo, oferecer credibilidade às iniciativas que geram obras de grande porte.